Aluguel excessivo já representa mais da metade do déficit na habitação

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O déficit habitacional brasileiro subiu a 6,2 milhões de domicílios em 2015, num crescimento de 2% em relação a 2014 e de 5,8% em dois anos, em meio ao avanço do desemprego e redução da renda, além do corte de investimentos na faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida. Em relação ao total de domicílios, a carência também avançou naquele ano, dos 9% de 2014 para 9,3%.

Calculado pela Fundação João Pinheiro, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o déficit habitacional considera a soma de habitações precárias, casas compartilhadas por mais de uma família, residências com mais de três moradores em média por cômodo, além das famílias com rendimento de até três salários mínimos e gasto com aluguel superior a 30% da renda.

arte28bra-201-habita-a2 Num ano de queda de 3,8% do PIB e avanço de 27% no número de desempregados, o chamado “ônus excessivo de aluguel” passou a representar mais da metade do déficit habitacional nacional pela primeira vez na série histórica iniciada em 2007. Em 2015, esse componente chegou a 51,5% do déficit, ante 48,2% em 2014 e apenas 29,8% em 2007.

Nas regiões metropolitanas, onde o custo da terra é mais elevado, a situação é ainda mais alarmante. O gasto excessivo com aluguel em 2015 representou mais de 60% da composição do déficit habitacional nas regiões metropolitanas de Curitiba (66,1%), Rio de Janeiro (65,3%), Recife (63,7%), São Paulo (60,9%) e Fortaleza (60,2%). E a tendência, com a continuidade da recessão em 2016 e 2017, é esse quadro seguir se agravando.

“Se um membro da família perde o emprego, o rendimento familiar é impactado. Em anos anteriores, havia também uma elevação do valor do aluguel, mas isso perdeu relevância em 2015”, explica Raquel Viana, pesquisadora da Fundação João Pinheiro. Em 2015, houve uma queda real dos aluguéis de 12,7%, segundo o Índice FipeZap. Apesar desse alívio, a renda média do brasileiro encolheu 4,4% em termos reais, conforme dado do IBGE deflacionado pelo Valor.

“A família de baixa renda, quando despende um valor muito alto do seu rendimento com aluguel, acaba comprometendo outros gastos básicos como alimentação e transporte, tornando ainda mais precária sua condição”, afirma Raquel Viana.

Mas o aluguel caro não foi o único vilão naquele ano de recessão. Também as habitações precárias – nome dados às casas sem paredes de alvenaria ou ao que nem são casas, mas servem de moradia, como pontes e viadutos, carcaças de carros ou cavernas – voltaram a ganhar espaço em 2015, em todas as regiões, à exceção do Nordeste.

“Há uma multidão de despejos individuais, de pessoas que não conseguem mais pagar aluguel, entram em dívidas e são obrigadas a sair das casas que alugavam. Isso, evidentemente, cria novos sem teto”, afirma Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Segundo Boulos, há aumento das ocupações e das listas de espera para participar do movimento em todo o país. “Ninguém ocupa por opção, ninguém monta um barraco de lona precário e coloca seus filhos numa situação sem nenhum infraestrutura porque gosta. As pessoas ocupam por falta de alternativa”, diz.

No mercado imobiliário, o esvaziamento das contratações de empreendimentos na faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida – que atende famílias com renda mensal de até R$ 1,8 mil – também é citada como um fator para o aumento do déficit habitacional durante a crise econômica.

“O setor imobiliário brasileiro vive uma de suas piores crises, se não a pior. Há uma ilha de prosperidade, que são as faixas 2 e 3 do Minha Casa, Minha Vida. O que parou foi a faixa 1, bancada em quase 95% com recursos da União”, diz o vice-presidente de habitação do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Ronaldo Cury.

Segundo dados do Ministério das Cidades, as unidades contratadas na faixa 1 do principal programa habitacional do governo federal chegaram a um auge de 537 mil em 2013, caindo a 200 mil no ano seguinte e a apenas 17 mil em 2015. No ano passado, houve uma ligeira recuperação, com a contratação de quase 37 mil unidades, mas ainda muito distante dos tempos áureos. Em 2017, até junho, foram contratadas apenas 2,4 mil unidades, ante meta anunciada de 170 mil.

“Para mitigar o déficit, o Ministério das Cidades recuperou na atual gestão a faixa 1 do Programa Minha Casa, Minha Vida, que sofreu severa redução de investimentos exatamente a partir do ano de 2015”, argumenta a pasta, através de nota. “O ministério também elabora neste momento um programa de prestação de serviços de aluguel social”, informou, acrescentando ainda não haver mais detalhes ou um prazo para o lançamento do programa.

Fonte: Valor Econômico