As recentes medidas adotadas pelo Governo Federal no bojo das Medidas Provisórias 1.105/22 e 1.107/22, que, segundo as justificativas apresentadas buscam aliviar a situação financeira dos trabalhadores que estão com renda comprometida com o pagamento de dívidas em atraso, mediante o saque de até R$ 1.000,00 de suas contas do FGTS (MP 1.105), criar estímulos ao empreendedorismo, incentivar o acesso ao crédito para empreendedores excluídos do sistema financeiro e ampliar os mecanismos de garantia em operações de microcrédito produtivo e de habitação popular (MP 1.107), deixaram de considerar alguns fatores que são extremamente importantes e que nos motivam a nos manifestarmos contrários as medidas que atacam o FGTS e naquilo que ele representa para o setor de Habitação de Interesse Social.
O déficit habitacional brasileiro é contado na casa dos milhões, apenas considerando a necessidade de novas moradias. Quando colocadas nessa conta as inadequações das moradias por falta de infraestrutura, chega às dezenas de milhões. Ou seja, são muitos milhões de brasileiros que não tem condições de moradia adequadas as suas necessidades e uma parcela considerável reside em moradias localizadas em áreas de alto risco: de enchentes, desabamentos ou contaminações por produtos tóxicos. Que muitas vezes precisam se endividar para obter as condições mínimas de saúde, transporte, educação e alimentação. Desconsiderar essa situação e as suas consequências para os serviços públicos é querer “tapar o sol com a peneira”, como se diz no jargão popular.
Com a incapacidade de os orçamentos públicos suprirem a necessidade de recursos para a produção de unidades habitacionais para as famílias de baixa renda, notadamente até três salários mínimos, bem como para a realização de obras de saneamento e infraestrutura urbana, o FGTS tem sido a única fonte de recursos para mitigar essa deficiência.
Com patrimônio líquido na casa dos R$ 100 bilhões, e disponibilidades financeiras nesse mesmo patamar, o FGTS tem enfrentado praticamente sozinho os grandes desafios que lhe foram propostos desde sua criação, que é de, além de se constituir numa poupança para fazer face aos momentos difíceis de um desemprego, propiciar recursos para investimentos em habitação popular, saneamento e infraestrutura urbana.
Não é papel do FGTS suprir todas as necessidades de investimento, nem socorrer a todos nos seus momentos de crise ou de incapacidade de os governos proverem orçamentos de investimento que se contraponham às crises que se repetem ao longo dos anos. Exigir isso do Fundo é “matar a galinha dos ovos de ouro”.
Por isso é necessário criar condições para barrar as inúmeras iniciativas que transitam no Congresso e no governo federal para utilizar os recursos do FGTS para iniciativas que em nada contribuem para a solução dos problemas nacionais.
Autorizar a realização de saque da conta vinculada do FGTS, nesse momento, que pode chegar à casa dos R$ 30 bilhões, quando já existe a possibilidade de saque programado (saque aniversário) na forma do que estabelece o Art. 20 da Lei 8.036, é transferir para o cidadão a responsabilidade de realizar as políticas públicas que é papel do Estado. É o mesmo que o Estado se desincumbir da responsabilidade por iniciativas que levem a economia a novos patamares de crescimento, com geração de empregos e condições dignas para que a população mais carente possa realizar seus projetos e suprir suas necessidades básicas.
Da mesma forma, utilizar o FGTS para prover recursos para a concessão de microcrédito, num momento em que a economia está estagnada, é demonstrar que o sistema financeiro, com seus grandes bancos, inclusive bancos públicos e de economia mista, não está capacitado para enfrentar desafios que os levem a novos patamares de comprometimento dos seus patrimônios. Seria reconhecer a falência da responsabilidade social desses que obtém, como demonstrado recentemente, lucros estratosféricos.
Diante dessa situação, rogamos a atenção dos parlamentares que desejam construir um país mais justo, com instituições mais fortes, com responsabilidade social e que esteja a altura de enfrentar os desafios internos e que também são globais, que rejeitem a utilização do FGTS para fins que não são aqueles que já constam na sua legislação de regência. Que preservem os recursos do FGTS para aplicação em habitação, saneamento e infraestrutura urbana.
Ao governo, pedimos bom senso e sensibilidade para compreender o momento que vivemos. Grandes volumes de recursos foram alocados pelo governo federal para enfrentar uma pandemia, que ainda não foi vencida. Outros eventos recentes demonstram, sem qualquer dúvida, que as famílias que mais sofrem são aquelas que não possuem uma moradia digna. Que vivem em situação de periculosidade e com inadequação dos serviços públicos básicos.
Portanto, retirar recursos do FGTS, que, como já dissemos, tem sido a principal fonte para viabilizar uma moradia digna, com os serviços de saneamento e mobilidade urbana adequados, é aumentar os riscos e relegar uma grande parte da população a um sofrimento inaceitável.
Março 2022
Associação Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação