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EXCLUSIVO: Como a Caixa quer ampliar o crédito habitacional no país

Frente à realidade do excesso de saques à poupança, a vice-presidente Inês Magalhães fala à EXAME sobre as conversas entre o banco e o Ministério da Fazenda

A partir de novembro de 2024 ficou mais difícil financiar um imóvel pela Caixa Econômica Federal. O banco estatal alterou as regras e passou a exigir uma entrada maior dos compradores. O contexto para a decisão foi a crescente demanda por imóveis no mercado brasileiro e o grande volume de saques da caderneta de poupança — origem dos recursos utilizados pela para os empréstimos via Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

À EXAME, a vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, afirmou que a Caixa não desistiu do pedido de emissão do compulsório para conseguir mais crédito para o financiamento imobiliário. No entanto, da agenda tratada entre o setor da construção, dos bancos e o Ministério da Fazenda, a VP cita outro ponto importante: a criação de um papel que pudesse ser interessante para os fundos dos investidores institucionais.

“Somos um dos poucos países em que os fundos de pensão e previdência não investem em habitação. Consideramos que há espaço para continuar a discussão por aí. A discussão já foi proposta e rolou durante todo o segundo semestre. Agora, a bola está com a Fazenda”, afirma Inês.

As mudanças no sistema SBPE da Caixa

Com as mudanças realizadas no final do ano passado, aqueles que financiarem seus imóveis pelo sistema de amortização constante (SAC), a entrada, antes de 20%, passa para 30% do valor do imóvel. Já aqueles que optarem pelo sistema Price verá a entrada aumentando de 30% para 50% do valor do imóvel.

A Caixa só liberará o crédito a quem não tiver outro financiamento habitacional ativo com o banco e para valor de avaliação ou de compra e venda limitado a R$ 1,5 milhão.

Na prática, os compradores precisarão dar um valor maior de entrada no imóvel. Fora isso, as parcelas também aumentam com a Selic.

As mudanças se aplicam apenas a futuros financiamentos. Nesse caso, em que o banco financia diretamente a construção, as condições atuais serão mantidas. A Caixa concentra 70% do financiamento imobiliário brasileiro, segundo informações da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) — e 48,3% das contratações do SBPE.

Para um imóvel de R$ 800 mil no modelo SAC, a Caixa financia até R$ 560 mil (70%). Os outros R$ 240 mil (30%) devem ser dados de entrada. No modelo Price, o mesmo imóvel de R$ 800 mil terá até R$ 400 mil (50%) financiados pela Caixa e os outros R$ 400 mil ficam a cargo do tomador (50%).

Leia a entrevista com Inês Magalhães na íntegra:

Qual é a atual situação do crédito imobiliário no Brasil? 

O Brasil tem uma situação privilegiada do ponto de vista de ter dois grandes fundos que estruturam a política de crédito habitacional —ambos criados praticamente juntos. São o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo). Só mais tarde veio a questão do mercado de capitais, que vem crescendo e tomando um espaço importante.

Em 2024, tivemos um resultado recorde em termos de investimentos em geral, com cerca de 803 mil unidades financiadas pela Caixa. O FGTS é uma fonte estável que tem atendido bem famílias com renda de até R$ 8 mil. Ou seja, a chamada habitação de interesse social está indo muito bem e o FGTS tem uma estabilidade de funding que nos permite trabalhar com tranquilidade.

E qual a situação do SBPE?

O SBPE é igualmente importante. Esse, no entanto, é fortemente afetado pela alta da Selic e pela diminuição da poupança, como movimento que acontece há alguns anos.

Hoje temos mais informação, o crescimento na participação de investimentos na Bolsa, o próprio Tesouro [Direto] virou um movimento popular e fácil. Isso tudo, atrelado a uma mudança nos prazos da LCI (Letra de Crédito Imobiliário), que tem sido utilizada no mercado como fonte complementar à poupança, teve um efeito no custo.

De doze meses, o prazo da LCI passou para três, para depois voltar para nove. Na vinda para três meses perdemos algo perto de 56% de capitação, o que faz com que o custo deste funding seja maior.

Qual a razão para as mudanças recentes feitas pela Caixa no SBPE?

As medidas que tomamos no final do ano tiveram como objetivo que a gente conseguisse chegar ao final do ano atendendo ao maior número de famílias possíveis dentro do orçamento programado. E foi o que fizemos.

Em paralelo às mudanças citadas, lançamos um financiamento à pessoa jurídica com recursos livres (ou recursos Caixa). O objetivo disso é deixar que o recurso mais barato ficasse com a pessoa física.

Neste ano, continuamos com as mesmas restrições. Nossa meta é manter o mesmo volume de contratação para este ano. Em 2024 tivemos cerca de R$ 72 bilhões de recursos no SBPE e ultrapassamos os R$ 140 bilhões no FGTS para o programa Minha Casa Minha Vida. Esse ano devemos manter o orçamento do FGTS a R$ 125 bilhões.

Quais seriam outras soluções buscadas pela Caixa para driblar essa diminuição de recursos para o crédito imobiliário?

A busca de mais fundings estáveis continua sendo um desafio. Nós não desistimos do pedido de emissão do compulsório. Mas, da agenda que foi tratada entre o setor da construção, dos bancos e o Ministério da Fazenda, tem um segundo ponto.

Acriação de um papel que pudesse ser interessante para os fundos dos investidores institucionais. Os fundos de previdência e outros fundos institucionais já têm uma isenção. A LCI, por exemplo, não é, necessariamente, um papel atraente para eles. A ideia de criar um papel específico que ajude a trazer estes fatores para o jogo. Afinal, somos um dos poucos países que os fundos de pensão e previdência não investem em habitação. Consideramos que há espaço para continuar a discussão por aí.

A discussão já foi proposta e rolou durante todo o segundo semestre. Agora, a bola está com a Fazenda.

Quais as expectativas para o ano de 2025? As mudanças já começaram a surtir efeito?

Com as mudanças, sobretudo a criação de recursos livres para pessoas jurídicas, o ano está equacionado. Teremos um bom ano também para o crédito, que está aquecido. E, claro, as discussões com a Fazenda continua para tentarmos trazer novos recursos para o crédito habitacional.

Mas uma solução estrutural mais sólida, a discussão sobre a criação de um mercado secundário, está adiado. Afinal, como fazer isso com uma taxa de juros neste patamar? O mercado secundário é a estratégia de financiamento da maior parte dos países.

Ou seja, tenho uma carteira que financiei, eu vendo esta carteira e reponho este dinheiro. Transformo a carteira em título e vendo, mas ela precisa ter um valor que seja suficientemente atraente para quem vende e para quem compra. Quem fez o financiamento não pode perder dinheiro, e quem compra tem que ganhar dinheiro.

Com os juros mais baixos, a solução seria mais simples?

Aí seria mais fácil ter uma carteira grande de habitação. Seria mais fácil ter, dentro da carteira, todo um pedaço dela que você pudesse vender a um valor interessante para o mercado.

Há esperança na volta da poupança? 

A poupança, como mecanismo estrutural de financiamento, vem perdendo a relevância e participação, com a LCI aumentando a cada ano. Ela continuará a ter sua importância, ela cumpre o seu papel. Mas, cada vez mais, nós teremos que ter outros papéis e alternativas. Seja no mercado de ações ou numa flexibilização dos compulsórios.

Há o interesse da Caixa em expandir sua atuação também para outros perfis?

O que queremos, mesmo, é que a pessoa que vem buscar o crédito habitacional seja nossa cliente para outras coisas também. E uma parte das pessoas que estavam pleiteando crédito não eram sequer clientes do banco. Queremos ser o banco de quem queira trabalhar com a gente.

O que esperar para o futuro do mercado de crédito imobiliário no Brasil?

O mercado de capitais já tem uma relevância pela LCI, mas deve crescer na estruturação e financiamento imobiliário principalmente das rendas mais altas. Seguimos trabalhando para ter um incremento de recursos para um perfil de imóveis mais de classe média, algo que, na verdade, já fazemos já que a renda média de R$ 8 mil alcança muitas famílias brasileiras. Mas temos um desafio de aumentar o financiamento com uma diversidade maior de crédito para diferentes categorias de imóveis.

A grande reflexão é que a Caixa Econômica tem recursos para trabalhar de maneira forte em 2025. Os recursos para o MCMV estão em um patamar bastante adequado, tanto do AGU quanto do FGTS. Os recursos do SBPE têm um patamar bastante razoável, já que o aumento dos saques à poupança é um aumento geral, visto em todos os bancos. A Caixa ainda tem a característica de ter uma reserva de poupança boa ainda. O ano será de grandes desafios, mas bons números.

Por Leticia Furlan – Exame

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