Cerca de 3 mil trabalhadores já foram desligados no Estado por conta dos atrasos, aponta entidade do setor.
O atraso nos repasses de recursos do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) no Ceará já causou a demissão de cerca de 3 mil funcionários que operavam nas obras da Faixa 1 do programa, apenas neste ano. Até o final de 2019, a previsão é que mais 12 mil trabalhadores percam o emprego caso as construtoras resolvam suspender os projetos por falta de dinheiro. Em visita a Fortaleza neste sábado (2), o ministro Gustavo Canuto, do Desenvolvimento Regional anunciou verbas para pagamento dos repasses atrasados.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE), André Montenegro, revela que pelo menos 15 empresas irão paralisar as atividades nos próximos dias. Segundo ele, a dívida do Governo Federal com as construtoras no Estado está em torno de R$ 35 milhões e chega a mais de R$ 180 milhões no Nordeste, totalizando R$ 600 milhões no Brasil.
Apenas as obras do Faixa 1 – que atende famílias com renda de até R$ 1,8 mil e financia o imóvel em até 120 meses – são afetadas. As demais são cobertas pelo FGTS.
‘O pior já passou’, diz ministro
O ministro Gustavo Canuto, do Desenvolvimento Regional, anunciou em Fortaleza neste sábado (2) que a pasta receberá R$ 600 milhões e “grande parte” do recurso vai ser destinado à habitação e ao pagamentos dos empreendedores parceiros do programa Minha Casa Minha Vida.
“Felizmente, ontem, sexta-feira(31), já tivemos uma liberação robusta, de R$ 600 milhões. Uma grande parte desse recurso vai ser destinada à habitação para pagar esses empreendedores, quem confiou no governo, quem está com as dívidas atrasadas, com as obras aí, querendo parar. Não parem, a gente está conseguindo recurso. O final do ano a perspectiva é que entre mais recurso e a gente consiga honrar. Eu acho que o pior já passou”, disse.
Canuto participou nesta manhã, ao lado do governador do Ceará, Camilo Santana, e do prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, da entrega do Residencial Luiz Gonzaga, no Bairro Ancuri, com 1.760 unidades, maior empreendimento do Programa Minha Casa Minha Vida no país, segundo o Governo do Ceará. O residencial é um investimento de cerca de R$ 130 milhões, sendo R$ 110 milhões do Governo Federal e R$ 20 milhões da secretaria estadual das Cidades.
Última opção
Entre as obras prejudicadas pelo repasse e com previsão de paralisação está o Residencial Alto da Paz, no Bairro Vicente Pinzón, com R$ 5 milhões em atraso. “Essa é a última opção de toda construtora. Além de gerar desemprego, são funcionários antigos, que estão com a gente há muito tempo, mas a gente é obrigado [a demitir]. O que não pode é continuar com o funcionário e não ter como pagar”, pontua Clausens Duarte, presidente da CR Duarte Engenharia, responsável pela construção do Alto da Paz.
No Residencial Nossa Senhora do Rosário, em Russas, interior do estado, o valor não pago à CR Duarte Engenharia ultrapassa os R$ 6 milhões. “Em Russas, consegui finalizar a obra. Era para eu ter encerrado no início do ano e, como houve essa série de atrasos, encerrei agora há dois meses. Tivemos que atrasar uma série de pagamentos aos fornecedores. Fomos obrigados a isso, com o intuito de não atrasar o pagamento de mão de obra. A família toda depende desse emprego, não se pode atrasar o pagamento dessas pessoas”, ressalta Duarte.
Apesar do esforço, a CR Duarte Engenharia reduziu o quadro de funcionários em 95,8%, considerando os dois residenciais. Finalizaram o ano passado com 1200 funcionários e, agora, contam apenas com 50 na folha de pagamento. “E mesmo esses que sobraram, pelo nível de atraso, hoje a gente não tem condição de honrá-los. Estamos negociando para ou suspender os contratos ou, infelizmente, colocar todos de aviso”, enfatiza.
Esclarecimento
Em nota oficial, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) afirma que dos quase R$ 5,7 bilhões recebidos pelo órgão até o momento, R$ 3,35 bilhões foram destinados ao programa MCMV, sendo R$ 2,9 bilhões destinados aos empreendimentos da Faixa 1 (leia a nota completa no fim da reportagem).
“Com objetivo de equilibrar as contas de todas as políticas do MDR, foi adotada a premissa cronológica para a liquidação das faturas, respeitando os períodos de 30, 60 e 90 dias em atraso. Tal metodologia já havia sido alvo de orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) para evitar judicialização dos processos – o que poderia acarretar maiores prejuízos à Administração Pública”, expõe em nota o Ministério.
No entanto, conforme o presidente do Sinduscon-CE, André Montenegro, o atual pagamento não condiz com o previsto em início de contrato. Duarte ainda acrescenta que não há qualquer previsibilidade no repasse, o qual parou de ser regular desde o fim de fevereiro deste ano.
“Esse programa é um pouco diferente das demais obras públicas. Até o fim de 2018 tinha um pagamento rigorosamente em dia. A gente apresentava a medição para a Caixa e, em menos de uma semana, faziam o pagamento. Em função dessa metodologia, fazíamos uma programação de qual volume de obra a gente pode pegar. O problema foi a mudança de regra durante o jogo”, explica Duarte.
NOTA COMPLETA DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
“A Assessoria de Comunicação Social do Ministério do Desenvolvimento Regional esclarece:
É importante destacar que, como já é de conhecimento público, o País enfrenta restrições orçamentárias que têm impactado a execução de ações e programas da atual gestão do Governo Federal.
Desde o início do ano, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) tem feito gestão responsável e transparente das contas e pagamentos dos contratos em andamento da Pasta. Contudo, as obrigações assumidas pelo extinto Ministério das Cidades superam os valores orçamentários e financeiros disponibilizados ao MDR em 2019.
Os contratos em execução das obras do antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – celebrados em gestões anteriores – demandam pagamento mensal de R$ 700 milhões. Desse modo, para atender a integralidade das ações no MDR, em 2019, seriam necessários R$ 8,4 bilhões.
Ocorreu que, conforme estabelecido em fevereiro pelo Decreto n. 9.711/19, foram disponibilizados uma média mensal de R$ 600 milhões. Entre janeiro e setembro, o MDR recebeu R$ 5,4 bilhões. Para o mês de outubro, o documento indicou R$ 289 milhões e, para cada mês subsequente, – novembro e dezembro – está previsto o aporte de R$ 89 milhões.
Com objetivo de equilibrar as contas de todas as políticas do MDR, foi adotada a premissa cronológica para a liquidação das faturas, respeitando os períodos de 30, 60 e 90 dias em atraso. Tal metodologia já havia sido alvo de orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) para evitar judicialização dos processos – o que poderia acarretar maiores prejuízos à Administração Pública.
Dos quase R$ 5,7 bilhões recebidos, até o momento, pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, R$ 3,35 bilhões foram destinados ao Programa de Habitação de Interesse Popular – Minha Casa, Minha Vida (MCMV). O valor pago representa 58,7% do total disponibilizado em todas as ações do MDR.
Desse total, R$ 2,9 bilhões foram destinados aos empreendimentos da Faixa 1 do Programa. O valor corresponde a 86,6 % e contempla as famílias que mais precisam. Os demais recursos – R$ 450 milhões – foram utilizados para subvenção econômica dos contratos das Faixas 1,5 e 2.
O pagamento dos recursos só foi possível devido ao empenho de todo o governo, como dos Ministérios do Desenvolvimento Regional e da Economia, ações da Casa Civil da Presidência da República e também do Congresso Nacional. Somente em setembro, o governo do presidente Jair Bolsonaro repassou mais de meio bilhão ao MCMV.
Com o limite financeiro de R$ 289 milhões neste mês de outubro, o MDR destinou R$ 115,6 milhões à Habitação – diferente do que tem sido divulgado por outras fontes. Desse total, R$ 89,5 milhões foram exclusivamente para o MCMV. Os recursos foram distribuídos nas modalidades com pagamentos atrasados há mais tempo.
Ressalta-se que a previsibilidade orçamentária da Pasta e do Programa são de conhecimento público desde 15 de fevereiro deste ano – data da edição do Decreto n. 9.711/19, que estabelece os limites: de movimentação e de empenho (anexo 1); e de pagamento (anexo 4). Além disso, a dificuldade financeira e orçamentária sempre foi informada pelo ministro Gustavo Canuto em reuniões com entidades do setor, assim como ao Congresso Nacional.
O Ministério do Desenvolvimento Regional reafirma seu comprometimento em regularizar a situação e tem trabalhado com o Ministério da Economia e Casa Civil para sanar as pendências financeiras. Paralelamente, a equipe do Governo Federal também tem se dedicado à reformulação do novo Programa Habitacional para que o recurso público seja aplicado de forma eficiente para evitar as falhas identificadas e, principalmente, atenda a população de menor renda do País.”