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As novas possibilidades para o programa Minha Casa, Minha Vida

Foto: Divulgação/ CBIC

Mais recursos para a construção de moradia popular e projeto em discussão no Senado podem ajudar a reduzir deficits quantitativo e qualitativo

Depois de um período de indefinição, por causa da crise fiscal, o Programa Minha Casa Minha Vida vem sendo apresentado pelo governo como uma possibilidade real para quem sonha com a casa própria. O aporte de recursos é, segundo o Ministério das Cidades, “ousado”, embora “possível”, e a retomada de pagamentos em atraso às empreiteiras pavimenta as novas esperanças.

No Senado, o programa também pode receber um reforço para garantir a qualidade das moradias e da infraestrutura por meio do PLS 465/2016, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ).

O projeto atribui a responsabilidade do provimento dos serviços públicos básicos aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. A entrega dos empreendimentos pelas empreiteiras só seria possível em conjunto com os equipamentos de saúde e educação, bem como os de comércio e lazer.

— Com a experiência acumulada dos últimos anos, foram identificados alguns aspectos para aprimorar o alcance social, eficiência e efetividade do programa. O projeto quer garantir os serviços complementares à habitação — esclarece o senador Lindbergh.

A relatora da proposta na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR), senadora Regina Sousa (PT-PI), votou a favor da matéria e acrescenta:

— Todos os entes envolvidos precisam trabalhar juntos para entregar as unidades habitacionais completas. Não adianta terminar a obra e a casa ficar um ano esperando energia elétrica, por exemplo. O projeto vai nesse sentido de agilizar o processo — argumenta a parlamentar.

O Minha Casa, Minha Vida “é um dos programas mais importantes do governo federal”, de acordo com mensagem enviada à Agência Senado pela Assessoria de Comunicação do ministério.

“A meta de contratação recentemente anunciada vem ao encontro do propósito de acelerar a construção civil e a geração de emprego e renda, pois, para cada R$ 1 milhão de investimentos em obras, são gerados 14 postos de trabalho nas construtoras e outros 8 empregos na indústria de materiais de construção, nos serviços e no comércio de materiais, totalizando 22 novas ocupações, de acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas (2013)”, diz a mensagem.

A aceleração de obras chegou a ser tratada em encontro do ministro das Cidades, Alexandre Baldy, no dia 21 de fevereiro, com o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Baldy esteve acompanhado na reunião com representantes do setor de construção.

Com os investimentos anunciados para 2018, da ordem de R$ 72,7 bilhões, espera-se a geração de mais de 1 milhão de postos de trabalho diretos em obras e mais de 580 mil na cadeia produtiva da construção civil. No total, foi anunciada no dia 8 de fevereiro a contratação de 650 mil novas unidades do MCMV, sendo 130 mil da Faixa 1 (contendo as contratações das modalidades empresas, entidades e rural); 70 mil unidades para a Faixa 1,5; 400 mil para a Faixa 2; e 50 mil novas moradias para a Faixa 3. Para isso, serão investidos R$ 9,7 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU) e R$ 63 bilhões do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).

“Além de realizarmos o sonho da casa própria, vamos gerar emprego, reaquecendo a economia dos municípios, dando a oportunidade de o trabalhador brasileiro colocar comida na mesa e dar mais dignidade à sua família”, disse o ministro das Cidades, Alexandre Baldy, no dia 8 de março. Desde então, o ministro tem feito uma maratona por estados como São Paulo, Ceará, Goiás e Pará para entregar imóveis a participantes do programa.

De acordo com a assessoria de Baldy, desde maio de 2016, uma das maiores prioridades do Ministério das Cidades é a reversão de obras paralisadas, em especial da Faixa 1, que atende famílias com renda mensal até R$ 1.800.

Até o momento, foram identificadas mais de 89 mil unidades com a construção interrompida. Foi autorizada a reativação de obras de cerca de 56 mil unidades habitacionais em 159 empreendimentos.

Outra providência: regularizar a liberação de recursos para execução de obras do programa. “Na atual gestão, não há mais que se falar em atraso no pagamento das empresas construtoras”, garante o ministério.

Auditoria

As unidades habitacionais populares já foram objeto de auditoria a cargo do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou vários empreendimentos e confirmou ausência de equipamentos públicos próximos.

De acordo com o trabalho, 73,4% dos moradores sofrem com a falta de escolas e creches nas redondezas; 70,2% afirmam não ter unidade básica de saúde; 68,1% não têm comércio próximo; e 46,8% julgam o transporte público insuficiente para a demanda.

Para o pesquisador e PhD em arquitetura e urbanismo Luiz Alberto Gouvêia, que recentemente estudou os incêndios que atingem unidades do programa, as políticas públicas de habitação têm sempre a mesma característica: a segregação da população.

— A terra urbana é cara, então se coloca as pessoas muito distantes. Isso cria um problema de toda ordem porque habitação não é só moradia. É moradia mais acesso ao trabalho, aos equipamentos comunitários. Quando se constrói um conjunto habitacional muito longe e não existem esses equipamentos, cria-se um problema enorme para a população. Isso aconteceu no Brasil inteiro, ao longo desses últimos 100 anos — afirma o pesquisador.

Marta Amália, moradora do Residencial Parque Paranoá, sofre as consequências do quadro descrito por Gouvêia. Para ser beneficiada pelo programa, ela precisou largar o emprego em Taguatinga, bairro localizado a cerca de 45 km da nova moradia. E não é só:

— Eu tenho duas filhas, uma de 11 anos, que está morando com o pai porque eu não consegui a vaga na escola aqui perto; e uma com 5 anos, que estuda na Asa Norte [a 15 km do apartamento]. Eu pago R$ 250 de van para leva-la à escola, porque o ônibus escolar do governo não leva crianças dessa idade. A menor fica, em média, 14h fora de casa porque precisa sair às 5h da manhã para conseguir chegar à escola e retorna entre às 19h30 e 20h.

A auditoria do TCU constatou também que uma significativa quantidade de moradias foi entregue com problemas relacionados à execução das obras, como falta de pavimentação asfáltica, calçamento, drenagem urbana e sistema de esgoto sanitário ou pluvial.

— É difícil dizer estatisticamente qual o percentual de comprometimento, de má qualidade nos empreendimentos no Brasil. Mas, por essa amostra, identificamos que boa parte dos empreendimentos têm falhas de construção. Essas falhas podem ser atribuídas às construtoras, podem decorrer de falhas na fiscalização, do processo de supervisão e controle dessas construtoras também — explica o ministro substituto do TCU Weder de Oliveira.

O mofo nas paredes do apartamento de Maria Sandra Rodrigues da Costa — contemplada pelo Programa Minha Casa, Minha Vida no residencial Parque Paranoá, em Brasília — denuncia uma dessas falhas. Desde que mudou para o local, Maria conta ter solicitado a reforma das janelas, já que chove dentro de casa, mas nenhuma solução foi tomada pela construtora responsável pela obra.

— Quando começou a chover, eu comecei a ver os problemas. Fui na construtora reclamar de infiltração umas cinco vezes já, mas é sempre a mesma coisa: eles vêm aqui, colocam uma cola na janela e dizem que está resolvido, mas é só começar a próxima chuva que os problemas reaparecem — conta.

Deficit

Inscrito na Constituição como um dos 11 direitos sociais, a moradia é um problema para cerca de 17,4 milhões de famílias, 30% da população, o equivalente a 57 milhões de indivíduos— considerando a média do IBGE de 3,3 pessoas por família no Brasil. A maioria, famílias de baixa renda.

Segundo o estudo “Programa Minha Casa, Minha Vida: subsídios para a avaliação dos planos e orçamentos da política pública”, elaborado pelas consultorias de Orçamento do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, cerca de 20 milhões de pessoas possuem renda insuficiente ou baixa e enfrentam ônus excessivo com aluguel, coabitação familiar, habitação precária e adensamento excessivo em imóveis alugados.

Esse conjunto de mazelas integra o chamado deficit habitacional quantitativo, calculado em 6.068.061 unidades.

Apesar de viverem em residências próprias, outros 37 milhões de pessoas sofrem com a carência de infraestrutura básica: iluminação, água canalizada, esgotamento sanitário ou fossa séptica e coleta de resíduos sólidos.

O adensamento excessivo (número de moradores superior a três por dormitório) contribui para reduzir a qualidade de vida, assim como a cobertura inadequada: os domicílios contam com paredes de alvenaria ou madeira aparelhada, mas têm telhado de madeira aproveitada, zinco, lata ou palha.

A ausência de banheiro de uso exclusivo afeta do mesmo modo esse contingente. Para completar o quadro, é possível que as moradias estejam implantadas em áreas não regularizadas ou destituídas de documentação de propriedade.

Os indivíduos vivendo nessas condições são afetados pelo chamado deficit qualitativo, calculado em 11.275.888 unidades.

A mesma Constituição que define a moradia como um direito social, estabelece em seu artigo 23 a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico entre as competências comuns da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Lançado em 2009, o Minha Casa Minha Vida tem o hibridismo como uma de suas características. Se por um lado ajuda a resolver o deficit habitacional, funciona também para mitigar os efeitos da crise econômica, segundo afirma a consultora do Senado Rita de Cássia Fonseca, coautora do trabalho.

— O programa foi adotado como medida anticíclica no momento de crise econômica mundial, em que o governo precisava entrar com investimentos para alavancar a economia, gerar renda e criar empregos. Para atingir esse objetivo, o governo enxergou outra possibilidade, que era minimizar o deficit habitacional — analisa.

De acordo com o Centro de Estatísticas e Informações da Fundação João Pinheiro, cuja base de dados foi utilizada por Rita Fonseca, o deficit habitacional quantitativo não tem sofrido alterações significativas: era de 6 milhões de moradias em 2009 e passou 6,1 milhões em 2014. Ou seja, teve um aumento de 1,6%. No mesmo período, a média do crescimento populacional girou em torno de 1% ao ano.

O segmento populacional de baixa renda figura no centro dessas estatísticas pela dificuldade em acessar financiamentos que demandem comprovação, regularização e suficiência de renda, conforme os pesquisadores. Bairros bem estruturados ainda são exclusividade de famílias com renda superior a cinco salários mínimos.

Com relação à oferta de imóveis a quem não os tem, o estudo aponta a locação de imóveis vagos como alternativa para reduzir o grupo de cidadãos sem habitação, aproveitando o estoque ocioso disponível.

O texto ressalta também a importância do investimento em mobilidade e acesso a políticas públicas básicas como saúde, educação e saneamento nas proximidades das novas residências.

Qualidade

Quanto ao chamado déficit qualitativo, a aposta do atual governo é o programa Cartão Reforma, aprovado pelo Senado em abril de 2017, que subvenciona reformas e ampliações em residências localizadas em áreas carentes.

O Cartão Reforma tem como meta atender, até o final de 2018, 170 mil famílias com renda até R$ 2.811. Famílias que habitem “domicílios inadequados” receberão recursos para comprar materiais de construção e contratar as reformas, com assistência técnica por parte das prefeituras para que o dinheiro não seja desperdiçado por falta de mão de obra qualificada.

Fonte: Agência Senado