Para cumprir o objetivo de reduzir distorções e impulsionar o mercado de crédito, o governo terá de atacar não apenas subsídios do Tesouro, mas rever, de forma ampla, as operações com taxas reguladas. Do estoque de R$ 1,487 trilhão em crédito direcionado no país em novembro, 89,8% referem-se a empréstimos com taxas de juros limitadas por normas específicas e que não podem ser livremente pactuados pelo mercado. Essas operações embutem alguma forma de subsídio, seja concedida pelo governo ou, indiretamente, pela sociedade.
Isso significa que 41,7% do volume de crédito no Brasil não tem preço definido pelo mercado. O financiamento imobiliário e as linhas do BNDES constituem o grosso – 81,5% – do saldo desses empréstimos. São áreas em que os subsídios do Tesouro já vêm em queda, mas que continuam sendo beneficiadas, respectivamente, por fontes de funding mais baratas, como as do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
O BNDES, que se tornou alvo de polêmica ao conceder empréstimos com taxas inferiores às de mercado, passou por uma mudança importante no ano passado. Foi quando substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que era fixada pelo Conselho Monetário Nacional e subsidiada, pela Taxa de Longo Prazo (TLP), que deve se igualar à remuneração dos títulos públicos atrelados à inflação (NTN-B) em cinco anos. Isso ajudou a reduzir a diferença entre o custo de captação do Tesouro e a taxa concedida nos empréstimos. A TLP está hoje em 6,96%, ainda abaixo do custo médio do Tesouro, de 10,11% ao ano em novembro.
Porém, o BNDES continua tendo como funding importante os recursos do FAT, remunerados à taxa dos títulos de cinco anos do Tesouro. Alguns economistas dizem que esse dinheiro poderia estar aplicado em operações com retornos mais altos.
No setor imobiliário, grande parte do subsídio direto está concentrada no Minha Casa, Minha Vida e é destinada à compra da casa própria por famílias com renda mensal de até R$ 4 mil. A partir deste ano, o benefício máximo foi concentrado naquelas com renda de R$ 1,2 mil. O governo gastou R$ 3,6 bilhões com incentivos ao programa em 2017 e R$ 3,9 bilhões no ano passado, até novembro. Do total subsidiado, 90% vêm do FGTS e 10% do Tesouro. A maior parte dos subsídios ao crédito imobiliário, porém, não é feita pelo Tesouro, mas pelos trabalhadores, por meio do FGTS.
Para Ana Carla Abrão, sócia da consultoria Oliver Wyman, atacar essa questão no crédito imobiliário é fundamental para estimular operações nessa área. “Esses recursos são subsídios dados pela sociedade, que tem uma remuneração baixa do dinheiro depositado no FGTS”, diz.
Durante anos, a remuneração do FGTS, que era de 3% mais Taxa Referencial (TR), ficou abaixo da inflação. Com uma mudança de cálculo, que passou a contar com a distribuição do lucro dos investimentos para os trabalhadores, esse rendimento aumentou, mas ainda fica aquém das taxas de mercado.
Isso cria distorções, como a concentração do crédito imobiliário na Caixa, que tem 70% desse mercado. Do saldo da carteira de crédito habitacional do banco no terceiro trimestre, de R$ 440,5 bilhões, R$ 258,5 bilhões eram de desembolsos com recursos do FGTS. “Precisamos liberalizar esse mercado”, diz Ana Carla.
Além de subsidiar investimentos em projetos como o Minha Casa Minha Vida, o FGTS serve de funding a financiamentos imobiliários no Sistema Financeiro Habitacional (SFH). O comprador pode usar sua conta no fundo para a compra de imóveis avaliados em até R$ 1,5 milhão.
No ano passado, o Banco Central começou a preparar o setor imobiliário para um modelo mais flexível ao adotar mudanças no direcionamento de recursos da poupança. Um novo regulamento manteve a exigência de que os bancos destinem ao financiamento imobiliário 65% dos recursos captados na poupança, mas eles não precisarão mais alocar o dinheiro em operações no SFH, onde há limitação de taxa. A medida foi celebrada por executivos da área como o início do fim das amarras no crédito habitacional
Grande foco de subsídios diretos, o crédito rural também deve ser alvo de mudanças. A estratégia do governo é encolher os benefícios nas taxas de juros e estimular a contratação de seguro agrícola para proteger o produtor das quebras de safra.
O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, lembra que hoje ainda há subsídio relevante para o crédito agrícola por meio de linhas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e outras modalidades de custeio e investimentos. Em 2017, o aporte do governo só para o Pronaf e o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) somou R$ 4,2 bilhões. No ano passado, até novembro, estava em R$ 3 bilhões.
“O problema dos subsídios é que eles segmentam o crédito e criam um problema de alocação desses recursos”, afirma a economista Elena Landau, ex-diretora do BNDES. “Se é para subsidiar, que seja feito via Orçamento. Da forma como se faz hoje, não se sabe qual a eficácia desses subsídios.”
Na visão de Elena, a criação da TLP foi importante para rever o “mito de que subsídio é necessário” aos investimentos. Isso faz com que o próprio BNDES se torne menos relevante, segundo a economista, que costuma dizer que o banco de fomento, hoje, está em busca de uma função.
O raciocínio vai na linha do que defendeu o ministro da Economia, Paulo Guedes, na semana passada. Segundo ele, transferência de renda e subsídios, quando necessários, devem ser feitos com repasses do Tesouro previstos no Orçamento. Para Guedes, o crédito direcionado contribuiu para elevar as taxas de juros.
O crédito direcionado passou a crescer após a crise global de 2008, à medida que os bancos públicos foram expandindo seus balanços para financiar o consumo e os “campeões nacionais”. Representava 46% do estoque total de empréstimos e financiamentos do Brasil em novembro do ano passado.
“Os bancos cobram um custo menor no crédito direcionado e um spread muito maior nos empréstimos com recursos livres para compensar”, diz o professor do Insper Marco Bonomo. Estudo realizado por Bonomo, pelo também professor do Insper Ricardo Brito e por Bruno Martins, do Departamento de Pesquisas do BC, mostra que as empresas maiores e mais maduras foram as mais beneficiadas pela expansão do crédito público entre 2004 e 2012.
Essa relação começou a mudar com a adoção da TLP. A nova taxa fez com que o financiamento via mercado ficasse mais competitivo, a ponto de algumas companhias emitirem dívida ou tomarem recursos com outros bancos para pré-pagar o BNDES. “O poupador tem que escolher se quer dar dinheiro para educação ou para o empresário”, diz Bonomo.
Kawall lembra, contudo, que só a equalização das taxas não basta e a diminuição dos subsídios do governo deve passar também pela redução do volume concedido pelos programas sociais como Minha Casa, Minha Vida e no financiamento estudantil dado pelo Fies.