Indicador que serve de referência para todas as políticas federais de habitação, o déficit habitacional deverá enfrentar uma séria descontinuidade estatística a partir de sua edição referente a 2016, prevista para ser publicada este ano. A mudança precisará ser feita devido ao fim da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) anual em 2015, substituída pela Pnad Contínua.
A retirada de algumas variáveis na nova pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) impossibilitou o cálculo sob a metodologia original da Fundação João Pinheiro de ao menos dois itens do déficit habitacional: a habitação precária e a coabitação familiar. Especialistas alertam que a descontinuidade estatística pode comprometer as políticas habitacionais.
A metodologia de cálculo do déficit habitacional foi concebida pela fundação em 1995. Segundo ela, são integrantes do déficit os domicílios em que haja um comprometimento muito grande da renda com o pagamento de aluguel, muitas pessoas dormindo num mesmo cômodo em espaço alugado, mais de uma família dividindo o mesmo teto, além das habitações precárias.
Desde a primeira pesquisa, foram feitos diversos ajustes na metodologia, devido a mudanças nas variáveis disponíveis no Censo Demográfico e na Pnad.
Na pesquisa referente ao ano de 2015, por exemplo, foram retiradas duas variáveis da Pnad que inviabilizaram o cálculo do item de coabitação, exigindo dos pesquisadores uma solução criativa para contornar a ausência de dados.
“Apesar da tentativa de manter a compatibilidade com anos anteriores para obter uma série histórica comparável, em alguns casos, a retirada de uma ou outra variável pelo IBGE tem inviabilizado, inclusive, a comparação das estimativas”, disse o Ministério das Cidades ao Valor, através da assessoria de comunicação.
Para a edição de 2016, que deveria ser divulgada este ano, os pesquisadores enfrentarão descontinuidades ainda mais graves. A primeira delas é que, em “habitação precária”, a fundação contava domicílios improvisados (pessoas vivendo em imóveis comerciais, pontes e viadutos, carcaças de carros, cavernas etc), que não entram na Pnad Contínua. A segunda dificuldade será novamente no item de “coabitação”, pois a Pnad Contínua não está dividindo os moradores do domicílio em famílias.
“Sem dúvida, em termos de políticas públicas, isso faz diferença, ainda mais quando você tem crises”, afirma Ana Maria Castelo, da Fundação Getulio Vargas (FGV). “No caso da habitação precária, por exemplo, ela é completamente afetada por uma situação econômica mais drástica, assim como pelo crescimento econômico”, diz a pesquisadora.
Questionado, o IBGE informou que está elaborando um novo módulo para o questionário da Pnad Contínua, com perguntas sobre nupcialidade (casamentos, separações e divórcios), no qual a questão do número de famílias por domicílio voltará a ser abordada. “Esperamos levá-lo a campo em 2019”, diz o órgão.
Já os domicílios improvisados deixaram de fazer parte da amostra pois, enquanto a Pnad antiga realizava apenas uma coleta por ano, a Pnad Contínua faz cinco visitas domiciliares a cada ano. “Isso seria impraticável com domicílios improvisados, pois eles mudam de local em curtos períodos de tempo”, justifica o IBGE.