A cidade que desejamos no pós-pandemia

Foto: Freepik

Por Claudio Acioly

Seria muito arriscado fazer um prognóstico sobre a cidade que renascerá após a recuperação econômica no pós-pandemia. São muitos fatores a considerar e que influenciam a sustentabilidade e a qualidade de vida urbana. Podemos observar algumas tendências em algumas cidades globais que podem nos oferecer algumas pistas do futuro que nos espera. Algumas práticas inovadoras e renovadoras, mudanças incipientes de hábitos, atitudes e maior conscientização da sociedade para com seu ambiente e observamos políticas públicas sendo adotadas. Londres, por exemplo, priorizando a bicicleta e a mobilidade não motorizada, com pedestres e ciclistas ganhando espaço demarcado no território onde o automóvel era o rei absoluto, enfatizando a conexão entre mobilidade e saúde pública em política urbana sendo promovida explicitamente pela prefeitura da capital inglesa. As cidades Holandesas como Roterdã e Amsterdam implantando em todos os seus serviços e espaços públicos a nova normalidade da economia dos 1,5 metros (a marca do distanciamento entre pessoas em todos os níveis, situações e serviços que requerem a interação social), cidades essas onde o ciclista já é prioridade em mobilidade e transporte, com ciclovias segregadas sendo partes integradas do planejamento e gestão to território urbano. As empresas, restaurantes e comércio abraçando por completo a prestação de serviços e entrega via internet e demolindo com um só golpe o atributo da localização do emprego, oferendo conforto e comodidade para consumidores, e um outro ambiente para o trabalho, práticas estas que poderão alterar definitivamente o futuro dos negócios urbanos e a relação consumidor-provedor de serviços num contexto de aglomeração e cidade compacta.

Hanói, assim como todas as grandes cidades do Vietnã, demonstra a importância da governança do território e da articulação nacional-local em políticas públicas, aliada a uma comunicação intensa e inovadora – utilizando música e artistas famosos – adotando transparência das ações do poder público local pouco usual num país governado por partido único. Demonstra também o poder da tecnologia aliada a uma máquina de coleta de informação através de um aplicativo de telefone celular, compulsório a todos os cidadãos ou residentes no país, com a capacidade de rastrear e categorizar indivíduos a nível de sua localização no território da cidade, codificando seu estado de saúde assim como onde e quando teve contatos, testando em focos, e assim permitindo uma resposta imediata de isolamento e tratamento por conta do Estado. O vírus foi tratado como um inimigo de guerra. A resposta dos governos nacionais e municipais gerou uma unanimidade e aval na sociedade, resultando num enorme sucesso em barrar a transmissão comunitária do vírus, baixo número de óbitos, e permitindo a reabertura da economia e atividades urbanas essenciais para sua população em pouco tempo depois de detectar seu primeiro caso de contágio. Sem dúvida houve uma mudança e ajuste no comportamento das pessoas mesmo considerando o nível de organização social existente ao nível do bairro e distritos, e a presença das estruturas do partido. É bom sublinhar que o Vietnã, com seus quase 100 milhões de habitantes, possui uma longa fronteira com a China, o epicentro da pandemia, e mesmo sendo muito mais pobre que seus vizinhos China, Coreia e Japão, logrou fazer o que países mais ricos fracassaram fragorosamente. Vale mencionar que no Brasil, o aplicativo Colab, desenvolvido pela empresa de mesmo nome, é largamente utilizado em mais de uma centena de cidades e foi adotado por cidades como Niterói, Recife, Teresina, Maceió, Mesquita, Santo André, Juiz de Fora, Campinas, Santos e Pelotas em seus sistemas de gestão do território e da relação com a cidadania. Um aplicativo simples, mas poderoso que ajuda o governo municipal a gerenciar as demandas da cidadania e monitorar a resposta e os processos de gestão e tomada de decisão, aumentando assim a eficiência e eficácia das administrações públicas. Colab transforma a relação governo-cidadão de forma espetacular. Ao contrário do Vietnã, o Colab e a Epitrack, construíram uma ferramenta voluntária de vigilância participativa durante a pandemia, muito semelhante ao implantado no Vietnã, hoje com cerca de 150.000 participantes. Como seria a situação nos centros urbanos brasileiros se fosse adotada como compulsória para todos permitindo aos governos monitorar e rastrear as fontes de transmissão? Até que ponto estaríamos dispostos a infringir direitos constitucionais de privacidade e anonimidade em uma situação denominada por alguns prefeitos como ‘contexto de guerra’?

Em Rotterdam, as ciclovias segregadas cruzam toda a cidade
Em Rotterdam, as ciclovias segregadas cruzam toda a cidade. Foto: Claudio Acioly

Esses exemplos distintos nos fornecem algumas lições que certamente estarão associadas a nova geração de políticas e práticas de gestão e planejamento urbano territorial que provavelmente surgirá na cidade do pós-pandemia. A maximização do trabalho-a-distância, a formação e treinamento online, e a penetração da telefonia móvel no mundo dos serviços e negócios trarão tremendos benefícios à população e transformarão profundamente o mercado de trabalho. Os aplicativos e as plataformas digitais se consolidaram como veículo de interação e debates durante a crise do Covid-19 e estarão muito presentes na cidade do pós-pandemia e colocarão em discussão questões super atuais relativos à segurança dos dados pessoais, privacidade, anonimidade, o direito de informação e o combate a desinformação ou ‘fake news’. A cidade que desejamos no pós-pandemia será uma cidade com muitos recurso da governança digital, conectada, informatizada, promovendo a conectividade e redes, e oferecendo a seus cidadãos informação e serviços de utilidade pública na ponta dos celulares.

É na cidade onde a tecnologia e os diversos tipos de participação cidadã prosperam e se reinventam. Os exemplos da Holanda e do Vietnã paradoxalmente demonstram a relevância da aglomeração e da economia de escala. Torna-se uma vantagem para o combate e eficiência de respostas à uma pandemia com velocidade de transmissão dessas proporções. Tirando vantagem da proximidade, acessibilidade e concentração de população e serviços essenciais. Conspiram contra as teses e apologias negativas, maquiavélicas, de que as altas densidades das cidades serão o algoz de sua existência e por isso justificam a promoção de modelos de cidades jardins, as cidades espraiadas de baixa densidade, o urbanismo sanitarista, custoso igualmente para seus governos e cidadãos. Não podiam estar mais equivocados. A cidade que desejamos no pós-pandemia deverá ser uma cidade conectada, compacta, sustentável e com espaços públicos acessíveis para todos.

Não foi a primeira e certamente não será a última vez na história da humanidade que uma crise de saúde pública detonada por uma pandemia virótica de proporções globais coloca em teste a essência da cidade. Também não será a primeira nem a última vez que veremos proposições sanitaristas para transformar a configuração espacial das cidades como forma de adequá-las para lidar com epidemias, pandemias, pestes e crises derivadas de doenças transmissíveis. A cidade é uma construção social e o ser humano é um ‘homo-urbis’ por natureza. A aglomeração e concentração de pessoas e negócios é a sua essência. O Covid-19 põe às provas a capacidade das cidades de sobreviverem e se reinventarem para continuarem a cumprir com suas funções de centro de transformação social e tecnológica como ocorreu antes com a febre espanhola, a peste negra entre outras. A cidade do pós-pandemia será o lócus onde a inovação e economia de escala e as vantagens da aglomeração oferecem oportunidades de geração de bem-estar e prosperidade para todos seus habitantes. Os estudos de Jane Jacobs no século passado e mais recentemente do Banco Mundial e da ONU-Habitat evidenciam a cidade como o motor de desenvolvimento. Para tal, é essencial termos políticas públicas e uma gestão urbana eficiente para que a cidade possa trilhar a rota do desenvolvimento urbano planejado e sustentável e assim produzir desenvolvimento econômico com igualdade de oportunidades e sustentabilidade. Que seu território e sua gestão seja um campo fértil do empreendedorismo intelectual, tecnológico, social e político. A gestão do território da cidade evidencia a importância dos governos municipais, sua capacidade institucional, e da capacidade de liderança de seus governantes para definir uma visão de cidade que ofereça oportunidades para todos sem que comprometa a qualidade do ambiente natural onde se insere, e colocar em marcha políticas, programas, projetos e ações para materializá-la num futuro próximo. Felizmente temos muitos exemplos e referências.

Rotterdam: Área de revitalização do centro urbano, com uso misto e retorno do uso habitacional de várias tipologias. Área que em 14 de Maio 1940 foi devastada pelo bombardeamento da força aérea alemã.
Rotterdam: Área de revitalização do centro urbano, com uso misto e retorno do uso habitacional de várias tipologias. Área que em 14 de maio 1940 foi devastada pelo bombardeamento da força aérea alemã. Foto: Claudio Acioly

Muitas cidades adotaram a Agenda 2030 de desenvolvimento sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como base de suas políticas locais visando a construção de uma cidade sustentável, segura, resiliente e inclusiva tal qual estabelece o ODS11. Nova Iorque foi pioneira e a primeira a lançar seu relatório voluntário de revisão da implementação da Agenda 2030 em seu território. Temos bons exemplos em Teresina, Niterói, Porto Alegre e agora o Rio de Janeiro. Niterói realizando seu primeiro relatório voluntário. A Agenda 2030 é uma agenda transformadora, universal, construída no princípio de igualdade e prosperidade para todos, alicerçada nos direitos humanos, com o objetivo de não deixar ninguém para trás no desenvolvimento e realização das aspirações humanas. A cidade é um lócus de oportunidades e de oferta de bens e serviços essenciais ao desenvolvimento social e econômico da humanidade, concentrando oferta e eficiência de custo e acessibilidade universal, mas também é fonte de sérios problemas cujos impactos são planetários tais como as emissões de gases de efeito estufa (GEE), a poluição ambiental, a desigualdade social e violência. As cidades concentram hoje mais de 55% da população mundial e também produzem 3⁄4 das emissões globais de GEE e são responsáveis por 75% do consumo de energia. As mudanças climáticas estão conectadas com os efeitos da urbanização, principalmente com a urbanização predatória e informal que demonstra a ausência do poder público local. Com o Acordo de Paris, ratificado pela maioria das nações, comprometem-se a reduzir as emissões globais de GEE no contexto do desenvolvimento sustentável e reduzir a temperatura do planeta. Essas agendas e compromissos globais sublinham a importância das cidades. Portanto, a solução dos grandes desafios planetários será encontrada nas cidades. Como disse o Ex-Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon, ‘nossa luta pela sustentabilidade global será vencida ou perdida nas cidades”.

Mas repentinamente, como um tsunami, a pandemia do Corona Vírus desafia essas agendas e metas globais e atinge duramente as cidades e seus habitantes indistintamente nos países ricos e pobres, e se torna um inimigo único global. Sem piedade, paralisa o setor de negócios e arrasa a economia urbana em geral, e coloca em situação de risco aqueles que já estavam em situações vulneráveis que vivem nas periferias, favelas e assentamentos informais de cidades no mundo em desenvolvimento. Segundo a ONU-Habitat, antes da pandemia, já tínhamos no mundo cerca de quase 1 bilhão de pessoas vivendo em situações precárias nas favelas, barreadas, villas, katchi abadis, assentamentos denominados internacionalmente como ‘slums’. Na América Latina, por exemplo, onde se espera que 85% de sua população viva em áreas urbanas até 2030, hoje cerca de 24% dessa população já se encontra nessa situação de precariedade. No Brasil, segundo o IBGE, são mais de 5 milhões de moradias irregulares. Segundo pesquisa publicada pela Comunidade Door, o Brasil tem 13.6 milhões de habitantes de favelas que movimentam cerca de R$120 bilhões por ano. Esses dados comprovam o poder da economia de escala e de aglomeração.

Para imaginarmos a cidade no pós-pandemia nos países em desenvolvimento, a cidade ideal, sustentável, inclusive, segura e resiliente que desejamos no futuro para a próxima geração, é essencial termos um conhecimento adequado da cidade pré-pandemia, dos seus problemas, seus desafios e suas fortalezas e vocações. E assim melhor entendermos sua situação durante a pandemia, sua capacidade de resposta, quando certos desafios e debilidades se aprofundam, mas afloram também suas fortalezas e capacidade e poder de adaptabilidade para lidar com uma crise dessas proporções. Algumas cidades inovam e adotam políticas arrojadas para lidar com uma externalidade dessa natureza. Algumas possuem meios e recursos e fontes de arrecadação seguras e bem estruturadas, outras muito menos. Algumas cidades são mais resilientes que outras. Possuem alguns atributos em sua gestão, em sua cidadania, base econômica e empresariado local cumprindo sua função de responsabilidade social, e condições geográficas que lhe dão alguma vantagem em relação a outras. Nesse sentido, as cidades nos países em desenvolvimento saem com enorme desvantagem com relação aos seus pares nos países mais desenvolvidos numa maratona contra o Covid-19 sem tempo e lugar para encerrar. Sua capacidade de arrecadação, seu território planejado, a existência de grandes áreas informais desprovidas de infraestrutura básica, emprego informal em grande escala, fraca capacidade institucional e uma grande desigualdade social, econômica e espacial. Se já tínhamos uma cidade problemática antes da pandemia, o Coronavírus exacerbou seus problemas e as diferentes vulnerabilidades sociais, econômicas, ambientais e territoriais.

Independentemente, tanto na cidade formal como na cidade informal, a economia de escala e as vantagens da aglomeração de pessoas e negócios foram testadas de maneira sem precedentes durante a pandemia. Quando a quarentena foi imposta e fortes medidas de distanciamento social foram adotadas para gerenciar a velocidade da transmissão do vírus, incluindo-se a paralisação do transporte público, populações inteiras foram obrigadas a se retirar do domínio público, deixando para trás espaços públicos vazios, negócios moribundos e uma cidade que vive em silêncio e medo temendo um inimigo invisível. No Rio de Janeiro, por um lado, a retirada da população das praias, ruas, espaços públicos e locais de cultura e entretenimento revelou a beleza única de lugares, de sua arquitetura, a natureza exuberante, ar puro, a vida animal e o silêncio urbano emergindo e prevalecendo no ambiente da urbanidade. As praias recuperando sua água cristalina, a enseada de Botafogo recuperando sua transparência esquecida no tempo. A pandemia escancarou à vistas de todos o capital espacial de uma cidade e seus atributos urbanísticos e arquitetônicos. Por outro lado, a pandemia causou um efeito dramático nas pessoas que operam no setor informal, mas que vivem em favelas e bairros populares, e que dependem da economia da aglomeração para obter sua renda diária. O ambiente compacto da cidade é fundamental para a sustentabilidade de seus negócios e meios de subsistência, mas é também o espaço do risco de transmissão quando uma pandemia se transforma numa ameaça à saúde de uma população concentrada em áreas extremamente carentes de infraestrutura, de espaço público e acessibilidade, vivendo em habitações inadequadas e sobrevivendo de seu próprio trabalho e renda inconstante.

As políticas de distanciamento social eliminaram de uma só vez a aglomeração de pessoas na cidade formal, o lócus de onde adquiriam recursos para produzir uma refeição diária e uma renda mínima para sustentar suas famílias. A população pobre e vivendo da economia informal foi duplamente penalizada. Além disso, o colapso da cadeia de suprimentos de várias empresas de pequena escala resultou na falência de muitas lojas, empresas e na perda de empregos em um efeito dominó. Hoje, o FMI e a OIT relatam que já são mais de 1,6 bilhão de pessoas que perderam seus empregos no mundo. Isso equivale à população da Índia e do Brasil juntos como uma massa de desempregados em um espaço de tempo sem precedentes na história.

Cheonggyecheon, um riacho revitalizado após a demolição de uma via expressa suspensa de 6 km de comprimento,  em  Seul, Coreia do Sul, por onde circulav 170.000 veivulos diariamente,  criandi-se um moderno espaço público de recreação e o maior parque horizontal urbano do planeta, a Via Verde de Seoul.
Cheonggyecheon, um riacho revitalizado após a demolição de uma via expressa suspensa de 6 km de comprimento, em Seul, Coreia do Sul, por onde circulavam 170.000 veículos diariamente, criando-se um moderno espaço público de recreação e o maior parque horizontal urbano do planeta, a Via Verde de Seoul. Foto: Claudio Acioly

As pessoas que já viviam em moradias inadequadas, com poucos serviços e superlotadas em suas residências nas favelas e assentamentos informais também foram forçadas a confinar-se. São vários os informes sobre estresse e violência doméstica, além da perda de segurança alimentar e renda básica. As famílias chefiadas por mulheres foram particularmente afetadas por esse confinamento forçado. A crise da pandemia mostrou inequivocamente que o que dirige a economia de uma cidade é o seu povo, o seu capital humano. No Rio de Janeiro, isso é evidente. Retire-os dos espaços públicos, coloque-os em quarentena e confinamento, e a economia urbana entra em colapso completamente. Sem a demanda por seus produtos e sem seus funcionários, as lojas e os negócios não podem funcionar e não podem gerar suas receitas. Cadeias de relações e transações econômicas que foram totalmente dissolvidas. Se existe uma lição desta crise é que são as pessoas que fazem a engrenagem da economia rodar e as políticas públicas devem ser centradas nas pessoas e produzir resultados interconectados de sustentabilidade social e econômica. A cidade no pós-pandemia nos países em desenvolvimento terá que articular processos que resultem em políticas e programas que respondam à demanda da cidadania e as necessidades específicas de seus grupos sociais mais desfavorecidos a fim de criar uma base de sustentabilidade social para as futuras gerações. E assim fortalecer o seu capital humano. A urbanização e integração dos assentamentos informais com inclusão social e desenvolvimento econômico local terá que ser parte integral da política urbana na cidade do pós-pandemia.

Também pudemos observar que a contração das várias atividades econômicas associadas com a ausência forçada das pessoas, automóveis e transportes públicos do território urbano foram acompanhadas por uma melhora significativa da qualidade do ar, causando impacto direto na pegada de carbono das cidades. As fotos de satélite que monitoram as emissões de gases do efeito estufa no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília mostraram uma queda notável comparando-se os dados de 2019 e 2020. Ruas vazias e reclusão de pessoas desvendam a questão da sustentabilidade ambiental, no uso do solo e práticas de ocupação do território urbano, e fundamentalmente sublinham a essência do planejamento e gestão das cidades. Qual é a cidade que queremos no futuro da pós-pandemia nos países em desenvolvimento?

Para responder a essa pergunta, é preciso dar um passo atrás, e como disse anteriormente, avaliar o contexto de antes, durante e depois da pandemia e a complexidade da formulação e implementação de políticas públicas. O que funcionou e não funcionou antes da pandemia em termos de planejamento e gestão para a sustentabilidade? A informalidade urbanística e habitacional mostra uma faceta do fracasso da gestão urbana, da perda do controle de gestão do solo urbano e falta de regulação dos mercados imobiliário e habitacionais. Mercados excludentes que empurram a população para a informalidade do aluguel e ocupações informais do solo. O excesso de automóveis e a baixa qualidade do ar demonstram os equívocos das políticas de mobilidade urbana e transporte público. O aumento exponencial do volume de resíduos sólidos produzidos na cidade acelera o ritmo de saturação dos aterros sanitários e demonstra a falta de uma estratégia de economia circular, que conecte o consumo e a produção, e as práticas de reciclagem e reutilização de matéria prima considerada lixo urbano, como parte integral de uma política urbana. A questão energética ainda se encontra embrionária nas cidades dos países em desenvolvimento. A energia solar, eólica e elétrica está sendo introduzida em escala em várias partes do mundo. Cidades na Ásia e Europa estão transformando sua matriz energética e introduzindo o automóvel elétrico assim como as frotas de transporte público abandonando a combustível fóssil e promovendo o transporte motorizado movido a eletricidade. A cidade do pós-pandemia terá que cuidar com muito zelo o seu capital ambiental e reduzir significativamente o volume de emissões de GEE.

O fato é que a construção da cidade que desejamos no pós-pandemia, sustentável, resiliente, segura e inclusiva, conforme o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 da Agenda 2030, deve reunir sustentabilidade social, econômica, ambiental e espacial, resultado de uma nova geração de políticas públicas, sob a liderança de governos municipais e líderes municipais apoiados por equipes técnicas dotadas de competências, habilidades e conhecimento da realidade local da cidade. Ter autonomia política e administrativa, e ser capaz de mobilizar os meios e recursos provenientes de sua base territorial e fiscal, e dotar-se de ferramentas legais para planejar o seu território com o enfoque no capital humano e na sustentabilidade de seu meio ambiente e envolver o setor privado, a sociedade civil, as universidades e os vários atores na construção de uma visão de cidade que desejamos na pós-pandemia.

Claudio AciolyClaudio Acioly – Claudio Acioly Jr é arquiteto e urbanista, especializado em habitação, urbanização de favelas, e gestão do desenvolvimento urbano com mais de 35 anos de experiência adquiridos em mais de 30 países, onde trabalhou com o gerenciamento e execução de programas de habitação e políticas urbanas junto ao PNUD, Banco Mundial, ONU-Habitat, UNECE, CEPAL, GIZ, União Europeia, agências de cooperação bilateral, atuando como assessor residente ou consultor especializado, prestando assessoria técnica a governos locais e nacionais, organizações bilaterais e multilaterais. Durante os últimos 12 anos Acioly atuou como expert em Habitação e gerente sênior do ONU-Habitat, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, dirigindo os trabalhos de Política de Habitação e Urbanização e Regularização Assentamentos Informais (Favelas), Desenvolvimento de Capacidade e Fortalecimento Profissional e o Programa das Nações Unidas para o Direito à Habitação Adequada. Liderou iniciativas de localização da Agenda 2030 e o ODS 11 em cidades da América Latina e recentemente exerceu a função de gestor de programas da GIZ-Agência Alemã de Cooperação Internacional na América Latina e diretor do Programa da União Europeia para Cooperação Urbana Internacional na América Latina.

Fonte: Capital Mundial da Arquitetura/ Prefeitura do Rio de Janeiro