Mudança no FGTS pode afetar habitação popular, como Minha Casa Minha Vida

Foto: Secom / Arquivo

Para Luiz França, presidente da entidade que representa as incorporadoras, regra atual de remuneração dos cotistas do Fundo de Garantia é mais vantajosa do que muitas aplicações

Declarações da presidente do conselho de administração da Caixa, Ana Paula Vescovi, divulgadas na última segunda-feira (17/12), deixaram o setor da construção civil em estado de atenção. Isso porque a executiva afirmou que os recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) devem ser mais bem remunerados. Para isso, será preciso uma reformulação do atual modelo. Entre as afirmações feitas pela representante da instituição financeira está a de que o dinheiro do trabalhador, da forma como a remuneração é feita hoje, é “sub-remunerado”. As afirmações foram publicadas pelo Estadão/Broadcast. Ana Paula chegou a dizer que “a remuneração do FGTS é uma das fontes de desigualdade de renda do país”.
Todo trabalhador com carteira tem a retenção de uma fatia do seu salário, que é destinada ao FGTS. Atualmente, seu rendimento é de 3,5% ao ano, mais TR (Taxa Referencial). No ano passado, entrou em vigor uma nova regra. Além da remuneração normal, o FGTS passou a dividir ainda a metade do lucro do ano anterior. As contas chegaram a um rendimento de 5,59% com a distribuição do lucro de 2017.
Para Ana Paula, poderia ser oferecida uma outra modalidade de aplicação dos recursos do FGTS. Sua sugestão é que o trabalhador com carteira assinada possa investir em outras alternativas, como o Tesouro Direto, programa que funciona pela internet para a venda de títulos do Tesouro Nacional. A ideia não foi detalhada. No passado, o governo autorizou o uso dos recursos do Fundo para a compra de ações da Petrobras, por exemplo.
 O que mais preocupou os setores afetados pelo FGTS, no entanto, diz respeito a uma outra mudança. A executiva da Caixa defende que os financiamentos com recursos do FGTS sejam remunerados pela Taxa de Longo Prazo (TLP), que passou a ser aplicada aos empréstimos do BNDES. Dentro de cinco anos, a TLP será equiparada à taxa de mercado, tendo como base um dos títulos da dívida pública (NTN-B). Se a proposta sair do papel, será o mesmo que já acontece com os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Preocupação

Segundo a presidente do conselho da Caixa, a mudança teria condições de aumentar o retorno do FGTS para o trabalhador, mas deveria valer não para recursos já depositados no Fundo, mas para aqueles feitos a partir de uma nova regra.
Assim, defende a executiva, seria possível evitar que esses recursos do trabalhador sejam sub-remunerados, pelo fato de serem uma fonte de recursos mais barata para as áreas da habitação e de infraestrutura. Ana Paula avalia ainda que para os projetos de baixa renda com recursos do FGTS, como os da habitação que não se viabilizem com a TLP, o governo deve entrar com subsídio.
A proposta deixou o setor da construção civil preocupado por causa dos riscos aos programas de habitação popular – segmento com maior carência. Segundo Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileiras das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a remuneração do FGTS é atualmente mais alta do que muitas alternativas de investimento. Entre as razões, lembra, está o fato de não haver incidência de Imposto de Renda. Portanto, o ganho é livre de tributação.
Em 2017, explica França, o FGTS rendeu 4,09% ao ano, chegando a 5,79% com a distribuição de 50% dos lucros. A poupança atualmente está rendendo 4,5% ao ano, menos que o Fundo. “No passado, o cotista do FGTS rendia muito menos que a poupança. Agora, o CDI caiu, a remuneração do cotista aumentou e o ganho foi ampliado pela regra da distribuição de 50% do lucro, criada em 2016”, explica Renato Lomonaco, da Abrainc, responsável por Assuntos Econômicos, Gestão Administrativa e Marketing. “Um CDB de varejo, com rendimento 80% do DI (varejo), hoje rende 4,16% líquido de impostos, considerando CDI atual de 6,5% e IR de 15%, portanto abaixo do desempenho do FGTS.”
França lembra que o atual sistema de funcionamento do FGTS é o que garante as condições de acesso à casa própria da população de menor poder aquisitivo. “A maioria das contas no Fundo é de trabalhadores com baixa renda e que justamente usam recursos para tomar financiamento e comprar uma residência porque sabem que é a única forma de encaixar aquela prestação no seu orçamento. É o sistema do FGTS que propicia uma prestação mais baixa. Ele tem um foco de inclusão social fantástico”, defende o representante da Abrainc.
O representante das incorporadoras cita especificamente quem consegue ter acesso ao imóvel próprio por meio do programa federal Minha Casa Minha Vida – essa pessoa tem conta com uma taxa de juros menor e subsídio graças ao fato de estar vinculado aos recursos do FGTS. “Usar o dinheiro do Fundo em vez de usar dinheiro do mercado financeiro é um ganho que o comprador de baixa renda tem, porque é um recurso que custa menos, que tem juros mais baixos. Já a remuneração do dinheiro que ele tem como cotista do Fundo é maior do que muitas aplicações. Essa é a conta”, mostra França.
A adoção de um outro indexador para corrigir os recursos do FGTS, avalia o presidente da Abrainc, pode levar a um desequilíbrio na atual estrutura. “Uma mudança como essa tem dois problemas. Um deles é o descasamento entre a remuneração do cotista e a taxa cobrada nos financiamentos. Se houver uma perda, vai sobrar para o FGTS, que vai arcar com prejuízos, e consequentemente para os cotistas. Não dá para fazer uma mudança abrupta. Esse descasamento será penoso para o Fundo e para os cotistas, além de ser danoso para programa habitacional brasileiro”, diz.
A melhor equação para minimizar os problemas da moradia popular no Brasil, garante França, é a atual, que utiliza os recursos do FGTS. Isso porque, lembra o executivo, o uso do dinheiro está blindado para ser destinado a habitação e infraestrutura, não podendo ter desvio de finalidade.

Papel esvaziado

Além de criticar a remuneração do FGTS, a presidente do conselho da Caixa defendeu na mesma entrevista que o banco deixe de ter a exclusividade na gestão do FGTS, que no ano passado rendeu aos seus cofres, como taxa de administração, um total de R$ 5 bilhões.
Ana Paula justificou que, apesar de a instituição financeira ser remunerada por esse serviço, tem de arcar com o risco desse tipo de gestão. Para ela, a Caixa deveria abrir essa atividade, incluindo o repasse de recursos do FGTS para outros bancos, aos concorrentes.
Mansueto Almeida, atual secretário do Tesouro Nacional, que permanecerá no cargo no novo governo, avaliou a proposta sobre a remodelagem e a nova regra para a remuneração do FGTS como “interessante”. No entanto, ele não disse se a sugestão de Ana Paula será chances de ser incorporada pela equipe econômica de Jair Bolsonaro (PSL).
Cauteloso, o secretário lembrou que o governo de Michel Temer melhorou a fórmula de remuneração quando autorizou que metade do lucro das aplicações do fundo fosse revertida para as contas individuais dos trabalhadores.
Em entrevista recente, Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, sinalizou que pretende mudar o Fundo, acabando com o “mecanismo de acumulação”. No entanto, ele não detalhou o que pretende fazer. A Caixa foi procurada, mas não respondeu ao contato até o fechamento desta reportagem.

Raio-X da habitação popular no Brasil

Acompanhe os números do programa Minha Casa Minha Vida desde 2009
» 5,3 milhões de financiamentos contratados
» 2,4 milhões de empregos gerados por ano, entre diretos e indiretos
» R$ 291 bilhões de tributos gerados pela cadeia ligada ao Minha casa, minha vida, tanto direta quanto indiretamente

O tamanho do problema: o desafio da habitação popular no Brasil

» Apesar do alcance do MCMV, o déficit habitacional no Brasil ainda é de 7,7 milhões de moradias
» Esse problema deverá se aprofundar com a projeção de formação de 9 milhões de famílias no país nos próximos 10 anos
» O MCMV é financiado apenas pelo FGTS
» Em 2017, com a liberação para saques das contas inativas, num total de R$ 44 bilhões, já houve comprometimento de parte desses recursos