Sem entregar moradias, gestão Haddad vê gasto com bolsa-aluguel explodir em SP

d5wpmd2nqzwxrwoq6yfvbmkyzGastos com o benefício cresceram 42% em dois anos, mas são insuficientes para acompanhar déficit habitacional na cidade

Em um barraco localizado na entrada da favela do Buté, na zona sul de São Paulo, dois homens se esforçavam para pregar novas tábuas nas paredes. “Isso é por causa da chuva. Sempre que chove forte entra água por baixo e molha tudo”, explica Sandra Regina Augusto Santos, de 26 anos, moradora da casa de madeira com apenas dois cômodos.

Mãe de duas crianças, Sandra se mudou para o local após perder tudo o que tinha em setembro de 2014, quando um incêndio atingiu a favela do Piolho, que fica na mesma região.

“Morei dois meses na calçada até conseguir o bolsa-aluguel. Meus filhos precisaram ir para a casa da minha mãe e repetiram de ano na escola. Eu usava o banheiro e almoçava na casa dos outros”, conta.

Assim como Sandra, outras 30 mil pessoas recebem o auxílio-aluguel na cidade, benefício destinado a famílias afetadas por obras públicas, que vivem em áreas de risco ou que foram contempladas por decisão da Justiça.

O grande número de beneficiados é hoje um dos principais fatores que explicam as dificuldades da prefeitura para reduzir o déficit habitacional na cidade. A gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) já não garante o cumprimento de uma de suas metas mais importantes: a de entregar 55 mil moradias populares até o fim do ano.

Após mais de três anos de administração, foram entregues até agora somente 8.586 chaves – 15,6% da meta.

Enquanto esse número avança lentamente, o bolsa-aluguel vai consumindo uma fatia cada vez maior do orçamento da Secretaria Municipal de Habitação.

Desde que Haddad assumiu a administração dde São Paulo, os gastos com o bolsa-aluguel não pararam de crescer. Em 2013, foram desembolsados R$ 85,5 milhões para pagar o auxílio, valor que chegou a R$ 112,8 milhões em 2014 e atingiu R$ 121,6 milhões no ano passado – um crescimento de 42% em dois anos.

O secretário de Habitação, João Sette Whitaker, reconhece que os custos dessa política social fugiram do controle.

“Essa solução é muito digna a curto prazo, mas, a medida em que você não consegue controlar, isso vai se tornando uma bola de neve. Com o gasto do programa eu faria mil casas por ano. Mas eu não posso tirar esse dinheiro dessas famílias e falar que vou construir casas.”

Para o urbanista Issao Minami, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a prefeitura precisaria romper com o programa do bolsa-aluguel, classificado por ele como “paternalista”.

“É uma política que deveria ser emergencial e se tornou permanente. Criou uma situação em que as pessoas ficaram reféns disso e se acomodaram. É correto dizer que a prefeitura não entregou moradias por causa dessa situação esdrúxula, porque uma coisa puxa a outra”, comenta o professor.

Para que esse rompimento ocorra, o secretário João Whitaker defende a criação de parques de locação social na cidade, onde as pessoas viveriam provisoriamente pagando pelo período de estadia à própria prefeitura.

“Quando você entrega uma moradia, não é que a população pobre não mereça, mas você transfere um bem que automaticamente irá se valorizar. Então isso é uma política que contribui para a valorização imobiliária da cidade. Com a locação social você consegue regular essa valorização”, explica Whitaker.

Atrasos

Cada família contemplada com o auxílio recebe R$ 400 por mês. Na relação de beneficiados, há municípes que estão cadastrados desde 2002.

E se, do modo como é feito hoje, o pagamento do benefício já pesa aos cofres do município, a política poderia ser ainda mais dispendiosa caso não houvesse atrasos nos depósitos. No ano passado, por exemplo, se de fato cada família cadastrada tivesse efetivamente recebido os R$ 400 mensais, o custo do auxílio teria sido de R$ 144 milhões, e não de R$ 121,6 milhões, como ocorreu.

Sandra Regina é uma das prejudicadas pelo atraso nos repasses. Ela teve o cadastro junto à prefeitura bloqueado e não recebe o bolsa-aluguel desde março do ano passado. Sandra vem contando desde então com a ajuda da mãe para pagar o aluguel de seu novo lar, no valor de R$ 300 por mês.

O bloqueio de alguns cadastros ocorreu após a prefeitura identificar fraudes nos registros. Havia pessoas que não viviam na favela incendiada e conseguiram o benefício apresentando comprovantes irregulares.

“Eu apresentei os mesmos documentos de antes e eles disseram que iam desbloquear, mas nunca desbloquearam. O dono do barraco queria me jogar na rua com os meus filhos”, reclama Sandra.

O secretário de Habitação reconhece que há cerca de 900 famílias com o pagamento do benefício em atraso desde novembro do ano passado, mas isso devido a problemas cadastrais ocorridos durante uma mudança no sistema de pagamento, que passou a ser feito pelo Banco do Brasil.

“Há muitas pessoas que deixam de ganhar a bolsa porque recebem as chaves de uma unidade habitacional ou porque, por algum motivo, deixou de estar dentro do critério estabelecido pela portaria que regula o bolsa-aluguel. Eu não posso dar esse benefício a qualquer um”, afirma Whitaker.

Esperança

Apesar de a entrega das 55 mil casas prometidas ser inatingível até o fim desta gestão, o governo do prefeito Fernando Haddad conseguiu viabilizar a construção de 190 mil moradias populares na cidade. A grande maioria delas, no entanto, ainda está em fase de projeto (124 mil).

Esse é o caso do edifício Prestes Maia, localizado na região central da cidade e que é considerado a segunda maior ocupação vertical da América Latina (a maior fica na Venezuela), abrigando 378 famílias.

O prédio, que estava abandonado desde a década de 1980, foi comprado por R$ 22 milhões pela Prefeitura de São Paulo em outubro do ano passado, mas até o momento não há definição sobre os próximos passos para torná-lo um local adequado para moradia.

Whitaker alega que, apesar de a entrega de casas estar muito aquém do prometido, os projetos da prefeitura na área da habitação avançaram muito em relação ao que foi feito em gestões anteriores.

“O governo conta tudo aquilo que concluiu da gestão anterior, o que produziu e o que deixou encaminhado. O [Gilberto] Kassab [ex-prefeito, atualmente ministro das Cidades] entregou em seus dois mandatos 24 mil unidades, enquanto a Marta entregou 23 mil. No aspecto técnico, estamos perto de 40 mil unidades hoje.”

A ambiciosa meta de entregar 55 mil casas tem explicação: os investimentos do governo federal com o programa Minha Casa Minha Vida. Mas com a crise econômica e os consequentes cortes no orçamento do Planalto, a fonte secou. E agora grande parte das obras habitacionais na capital paulista está empacada, à espera da liberação da terceira fase do programa.

Enquanto a prefeitura tenta agilizar a solução do quebra-cabeça habitacional na cidade, cerca de 500 mil famílias aguardam por um lar, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro.

E até que o sonho de uma moradia digna se realize, Sandra Regina usa as ferramentas que possui para resolver seus problemas: a ajuda da mãe para pagar o aluguel, e algumas tábuas novas para conter a água da chuva.

“Aqui eu morro de medo de pegar fogo de novo, como aconteceu lá no meu antigo barraco. Queria mesmo era levar meus filhos para uma casa de bloco”, sonha a jovem mãe ao exibir o colchão de solteiro onde ela dorme com os dois filhos.