O debate foi proposto pela CDU e CDHM e ainda reuniu parlamentares e especialistas
O tema da moradia é um assunto que vem sendo discutido constantemente por movimentos ligados à habitação, por especialistas e técnicos, além do Poder Público, na busca por soluções para as diversas demandas desta área. Mais recentemente a pauta se intensificou em todo o país, após o incêndio e desabamento do edifício em São Paulo, ocupado por mais de 140 famílias. Para aprofundar as discussões e procurar saídas conjuntamente com todos os envolvidos, a Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) realizaram em São Paulo Seminário para discutir o tema da moradia e das ocupações dentro da esfera nacional. Centenas de pessoas participaram do evento que aconteceu na Câmara Municipal de SP.
A proposta partiu das deputadas Margarida Salomão (PT/MG), Presidenta da CDU, Ana Perugini (PT/SP), e do deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/ES); e dos Deputados Luiza Erundina (PT/SP) e Nilto Tatto (PT/SP), pela CDHM. O objetivo foi reunir representantes de órgãos públicos ligados à habitação, à regularização fundiária e ao patrimônio, dos movimentos de moradia, além de especialistas (arquitetos e advogados) a fim de buscar uma maior interlocução e interação com os diversos atores, e estimular maior participação popular no tema. Foram duas mesas de debates intensos a respeito do que se precisa fazer como buscar à pequeno, à médio e à longo prazos uma política efetiva de habitação que atenda a quem mais precisa.
Assim como o prédio que desabou em São Paulo, a União tem quase 180 imóveis desocupados, sem cumprir sua função social. Além dos imóveis públicos, também existem milhares de espaços sem uso, de propriedade privada. Só em São Paulo existem mais de 2 milhões de metros quadrados de imóveis “não utilizados”, “subutilizados” ou “não edificados”, áreas que poderiam ser usadas para atender à demanda por habitação na capital.
A Arquiteta e Urbanista Erminia Maricato, Professora e Pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP), fez duras críticas sobre a condução das políticas de moradia no país, que não atendem devidamente à população que mais precisa. “Nem o Estado, nem o mercado atendem a maior parte da nossa população, que precisa construir suas próprias casas, ocupando espaços, pois não tem outra alternativa”. Ela afirmou que o problema da moradia e da condição de vida em geral se aprofundam e criticou também a especulação imobiliária. “Não se resolve o problema da moradia sem atacar essa especulação, sem aplicar a função social da propriedade”.
Sobre os movimentos sociais, Maricato repreendeu a criminalização que vem sendo estampada aos movimentos, com objetivo de descontruir e diminuir a luta destas entidades. “Há muita gente que luta para cumprir aquilo que o Estado não faz, que são as políticas públicas. Essas ocupações que dão função social aos imóveis. Imóvel vazio está contrariando a lei, qualquer que seja sua definição de propriedade. Os movimentos ocupam, dão uma função social, limpam, administram, colocam em ordem e cobram uma taxa que é muito menos do que a pessoa pagaria em um aluguel. Os movimentos mostraram, principalmente nos programas de moradia, que dá para produzir moradia, mas tem que ser com participação social e acompanhamento técnico e não com criminalização”.
Alessandra D’Avila, Diretora da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, fez um panorama sobre as ações do governo voltadas para a moradia. “Com a institucionalização do órgão veio também um arcabouço em relação à montagem da Política Nacional de Habitação, por meio do Sistema Nacional de Habitação, uma lei de iniciativa popular que estruturou o sistema e hoje, para enfrentar o grande passivo urbano, que é o principal objeto de intervenção das políticas federais, principalmente em termos de saneamento e de moradia. Segundo ela, o problema mais urgente é equacionar o déficit de mais de 6 milhões de moradias. “É um desafio multidimensional, mas ele necessita muito dos financiamentos federais e de todo esse planejamento e organização”, disse.
Sidnei Pita, representante da Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias (ULCM), falou do direito de todos de usufruir das cidades. “Se os movimentos não tivessem tido a ousadia de ocupar e resistir, esses prédios no centro, talvez hoje a gente não teria nem a autogestão no munícipio e muito menos o Minha Casa, Minha Vida. O direito que temos de ocupar esses imóveis é o de qualquer cidadão que mora na cidade. Se não há uma ocupação para abrigar família de baixa renda elas vão para a rua. O déficit da moradia aumentou muito, assim como desemprego. É inadmissível olharmos os imóveis vazios e não transformar em moradia”.
Luiza Lins Veloso, Defensora Pública do Estado de São Paulo e Coordenadora do Núcleo de Habitação e Urbanismo da DPE/SP destacou que o cenário atual é difícil para a população de baixa renda, pois faltam alternativas habitacionais. “O que eu vejo é uma redução das ofertas e alternativas, apesar dos esforços do governo federal, e acredito que só o financiamento e a provisão de moradia não vão trazer uma solução adequada para os problemas habitacionais do país. O que a Defensoria tenta fazer são notas técnicas, conversas com os parlamentares de forma a sensibilizar a importância do tema”. Ela também reforçou a necessidade de se ter uma participação maior do Poder Judiciário, e reconheceu existir um claro oportunismo em criminalizar os movimentos de moradia.
A coordenadora da Frente de Luta por Moradia, Carmen da Silva Ferreira, mostrou que as ocupações têm a função de revitalizar dois elementos: o imóvel que estava vazio sem função social e as pessoas que chegam sem amparo. “Nosso papel, enquanto movimento social, é ressocializar e preparar o cidadão que chega até nós dessa forma, por causa de um sistema capitalista que o fere em todos os sentidos, e devolver ao Estado um cidadão pleno, conhecedor de direitos e deveres e, acima de tudo, de que esse dever não é assistencialista, porque nós queremos é financiar uma casa dentro das nossas possibilidades, mas nem isso nos é permitido. É a burocracia desse país que afasta todo o cidadão de viver bem”, completou.
A Chefe da Divisão de Regularização Fundiária e Habitação, da Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, Mirella Loreto, reforçou que o papel primordial da Secretaria do Patrimônio da União é a gestão dos imóveis públicos. “Quando falamos de imóveis de habitação de interesse social buscamos tudo que houver dentro do patrimônio da União de imóvel com vocação habitacional disponível. Para ela é importante que os movimentos sociais participem cada vez mais do processo, pois o Poder Público não consegue dialogar de maneira eficiente com todas as camadas da sociedade”.
Ednalva Franco, do Movimento de Moradia para Todos, fez críticas ao modo como a mídia pauta a questão das ocupações, principalmente após o incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida. “Nenhum movimento organizado fez parte daquele processo. E acho muito irresponsável acusar quem não esteve envolvido. Em relação ao enfrentamento, nós mulheres, apesar de sermos maioria nessa luta pela moradia, ainda somos deixadas de lado. Essa preocupação também foi levantada por Maria das Graças Xavier, representante União Nacional da Moradia Popular. “As políticas ainda não atendem efetivamente a população que mais precisa. Nós temos que avançar na luta, pois a moradia é a porta de entrada para os demais direitos”.
Também tiveram fala os representantes José Paulo Rocha, da Igreja Batista Monte Moriá e Ivanete Araújo, do Movimento de Moradia na Luta por Justiça. Os dois lembraram do preocupante déficit habitacional só na cidade de SP e a preocupação sobre a situação que só tende a piorar. Segundo eles é preciso criar mecanismos, principalmente por parte do Legislativo, para pressionar o Poder Executivo a cumprir as políticas de moradia.
Manifestações dos parlamentares
A Deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) destacou que o seminário foi uma oportunidade de ouvir não só os especialistas, mas sobretudo os movimentos, que são aqueles que mais conhecem o problema. “Nós podemos até conhecer na teoria, alguns de nós têm experiência na própria luta dos movimentos, mas esse encontro – entre quem vive o problema e de quem estuda e tem a responsabilidade como membros do governo e do Estado brasileiro –, serve para encontrarmos juntos saídas e soluções para os graves problemas da questão urbana, da moradia e das ocupações.
A deputada Ana Perugini (PT/SP) ressaltou sua vivência sobre o tema. “Eu conheci a luta pela moradia urbana aqui em SP. O senso comum é achar que essas ocupações são desorganizadas. Há segurança, limpeza, creches dentro do prédio, biblioteca comunitária, aulas. Quando soube da criminalização e como isso se deu através dos grandes veículos de imprensa, foi preciso trazer isso à tona”. Ela também reforçou ser preciso lutar contra a opressão a esses movimentos e pessoas. “Nós não podemos institucionalizar movimentos, e é importante que haja autonomia plena deste. Todos nós que estamos à frente de instituições precisamos defender essa autonomia para reorganização das cidades”.
O ex-senador, Eduardo Suplicy, atualmente Vereador de SP e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, apoiou as reivindicações e as propostas levantadas pelos participantes. Ele defendeu ser uma luta necessária sobretudo àqueles que não têm moradia. “Após alguns dias do desabamento do prédio no Largo do Paissandu, houve um grande apelo aos vereadores, de que seria preciso uma dedicação de todo o Legislativo, junto com o Poder Público para resolver os problemas de moradia”, disse.
Os Vereadores Toninho Vespoli (PSOL/SP) e Juliana Cardoso (PT/SP) também comparecem à discussão. Segundo o Vereador, ele tem acompanhando a questão da moradia em SP, especialmente no caso de reintegração de posse de imóveis ocupados. Lembrou que geralmente a população sai desamparada e recriminou a falta de prioridade das políticas sociais. Já a vereadora ressaltou que os movimentos de moradia são instrumentos de luta na conquista da habitação e de levar a outras pessoas o entendimento sobre essa luta. Ser moradia é um ato de guerra, contra o capitalismo e a especulação mobiliária, e é preciso ter estratégias para lutar”.
Clique aqui e assista a íntegra das discussões.