O governo prepara a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para auxiliar na retomada da economia. A medida deve ser desenhada com muito cuidado, para não secar uma importante fonte de financiamento da construção civil, o que colocaria em risco a expansão da economia mais adiante. O ideal seria aproveitar a oportunidade para dar mais um passo na reforma do sistema de crédito direcionado.
Segundo informações publicadas pelo Valor na semana passada, o governo estuda a liberação de R$ 63 bilhões de fundos públicos para tentar animar a economia, que hoje se encontra entre a estagnação e a recessão. A maior parte dos recursos, R$ 42 bilhões, viria das contas do FGTS. Outros R$ 21 bilhões seriam originários do PIS/Pasep.
Corretamente, o governo decidiu levar adiante a medida de estímulo apenas depois que a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, a reforma da Previdência. Foi um gesto de pragmatismo de uma equipe econômica declaradamente liberal, que de forma acertada destaca constrangimentos ao crescimento do lado da oferta.
As reformas fiscais e de produtividade vão ajudar na retomada da confiança do empresariado, o que favorece investimentos, e atuam para ampliar a capacidade de crescimento de longo prazo da economia. Mas, nas condições atuais, com o alto grau de ociosidade da economia, estímulos à demanda também têm sua importância.
Os cálculos preliminares indicam que a liberação de recursos do FGTS e do PIS/Pasep deve ampliar em cerca de 0,3 ponto percentual o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Não é muito, mas ainda assim será um impulso providencial para garantir um nível mínimo de dinamismo econômico até que outros motores do crescimento ganhem maior tração.
As condições financeiras da economia já ficaram mais favoráveis – e devem receber novo apoio com o corte dos juros básicos pelo Banco Central – e tendem a se transmitir à economia real até o próximo ano. A agenda de concessões e privatizações, se conduzida com a celeridade necessária, cria um horizonte mais favorável até 2021.
Será um equívoco, porém, se o estímulo de curto prazo consumir uma importante fonte de financiamento de longo prazo sem colocar nada no lugar. Nesse caso, estaríamos apenas trocando os investimentos de amanhã pelo consumo de hoje. É urgente seguir na reforma do sistema de direcionamento de crédito para garantir fontes de financiamento à habitação.
A reforma do crédito direcionado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um exemplo de como fazer a coisa certa. A adoção da Taxa de Longo Prazo (TLP), vinculando os juros cobrados pelo banco às taxas negociadas em mercado nos títulos públicos, extinguiu os subsídios implícitos do sistema. De forma análoga, se a opção for manter o sistema de poupança compulsória do FGTS, as contas deveriam passar a ser remuneradas com juros de mercado.
Isso não significa que a aquisição de casa própria não possa receber subsídios. O sistema, porém, deve ser transparente, com subsídios orçamentários que sejam canalizados para o sistema financeiro por meio de leilões competitivos. A prática é adotada, com sucesso, por países emergentes com maior tradição de políticas públicas consistentes, como o Chile.
O momento é muito favorável para a transição, com a queda dos juros básicos aos menores patamares da história. Na partida, os subsídios públicos seriam bem menores. A continuidade do desmonte do sistema de crédito direcionado também contribui para a queda sustentada dos juros estruturais.
Um passo mais radical seria devolver os recursos aos trabalhadores e extinguir o sistema de poupança compulsória, junto com o crédito direcionado à habitação. Essa não seria tarefa trivial. Há um estoque de cerca habita de R$ 350 bilhões em operações de financiamentos de longo prazo à habitação e desenvolvimento urbano contratadas no passado. Até o habita vencimento desse estoque, será necessário garantir que haja volume suficiente de recursos nas contas do FGTS para lastrear os créditos.
Provavelmente, será preciso uma transição gradual. Uma eventual restrição dos saques penalizaria os trabalhadores, que historicamente arcaram com os custos do sistema. Melhor seria criar incentivos, como remuneração mais alta aos cotistas, para quem transformar o FGTS em uma conta de capitalização individual. Ao longo do tempo, o ineficiente sistema de poupança compulsória seria substituído por um novo modelo, baseado na poupança voluntária.