Unidades do ‘Minha Casa, Minha Vida’ em São Vicente são revendidas por famílias beneficiadas, antes do prazo regulamentar de 10 anos
Vende-se ou aluga-se apartamento de dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e garagem. Entrada de R$ 40 mil e 99 prestações de R$ 25,00 a R$ 80,00. Esse tipo de anúncio não está nos classificados, mas é alardeado ‘por baixo dos panos’ e investigado na Baixada Santista: moradores estão comercializando, ilegalmente, unidades do Minha Casa Minha Vida. Mais de 190 casos são apurados na região.
Quando se adquire um bem pelo programa do Governo Federal é preciso comprovar baixa renda familiar. A venda só pode ser feita após dez anos. Mas muitos beneficiários comercializam tais imóveis por valor superior ao pago – e voltam às submoradias.
Só no conjunto São Vicente II – município onde o déficit habitacional é de pelo menos 20 mil residências – cerca de 10% dos 380 apartamentos estão em investigação, segundo a Secretaria de Habitação (Sehab) da Cidade. A Caixa Econômica Federal (CEF) confirma 19 denúncias recebidas só de São Vicente para o conjunto – dez foram comprovadas.
Otávio (nome fictício), morador do conjunto São Vicente II, não quis se identificar, mas diz que conhece vários casos. “Não tem placa de venda na janela, nem nada. Normalmente, deixam o porteiro avisado. Os próprios moradores comentam que, na verdade, preferem voltar para a favela para não ter que pagar água e luz”, explica.
Segundo ele, apenas uma visita foi feita para fiscalizar a situação no local, em horário comercial. Quem estava trabalhando, passou ileso. Além disso, a vizinhança sabe: há moradores beneficiados que apenas passam semanalmente pelo local para pegar correspondência; outros, há meses nem aparecem.
Quem vende inapropriadamente fica obrigado a restituir os subsídios recebidos e fica impedido de participar de qualquer programa social com recursos federais. E quem adquire irregularmente perde o imóvel e responde criminalmente à Polícia Federal. Após a reintegração do imóvel, ele é destinado a outro beneficiário selecionado pela prefeitura da cidade em questão, de acordo com as regras do programa.
Os casos de venda e locação irregular do Minha Casa Minha Vida podem ser denunciados à ouvidoria da CEF, pelo telefone 0800-7257474.
Mais
A Sehab, por meio de redes sociais, tem até pedido aos moradores que denunciem, pois quem compra, além de responder criminalmente, perde o dinheiro e o direito de concorrer legalmente.
As denúncias já recebidas pela Sehab foram encaminhadas à Polícia Militar e, após uma assinatura falsificada e a comprovação do uso do logotipo da Prefeitura, uma pessoa foi presa. Mais casos seguem em investigação, em sigilo.
Geralmente, quem se revolta com a situação e conhece os casos de perto, fica com medo de denunciar e ser descoberto. Mas qualquer pessoa pode ir na Sehab caso tenha alguma dúvida ou queira fazer denúncia. O endereço é Rua José Bonifácio, 404, no Centro de São Vicente.
Não é a única
São Vicente não é a única cidade com fraudes no programa Minha Casa Minha Vida. Ao todo, na Baixada Santista, a Caixa Econômica Federal informa que 191 apartamentos são analisados, representando 5,7% do total de unidades já entregues com o benefício do Governo Federal.
10 vezes maior
A Tribuna indicou os valores apresentados como anúncio com base no relato de denúncias. A informação é de que o valor da venda ilegal dos apartamentos do programa Minha Casa, Minha Vida chegue a dez vezes o preço do imóvel financiado. Na época da entrega do Conjunto São Vicente II, em julho de 2014, a renda familiar máxima para participar do programa era de até R$ 1.600,00. Por isso, as parcelas dos apartamentos aos beneficiários podia custar entre R$ 25,00 e R$ 80,00 mensais.
Regras mudam na CDHU e Cohab
Não é só habitação do programa Minha Casa, Minha Vida que tem restrição para venda. As regras dos financiamentos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU) mudaram no início deste ano. As residências da Companhia de Habitação da Baixada Santista (Cohab) também devem obedecer normas para a comercialização. Cada caso é diferente.
Em janeiro, o governador Geraldo Alckmin promulgou a Lei 16.105, reduzindo de dez anos para 18 meses o prazo mínimo para transferência de imóveis adquiridos da CDHU. A medida causou polêmica, pois há quem defenda que a alteração facilita a vida de quem adquire o imóvel só para revendê-lo, cada vez no nome de um membro da família.
Para o governo, o efeito da mudança é diferente. O secretário de Estado da Habitação defende que antes eram feitos contratos de gaveta – o que não era válido, mas sempre ocorreu. Agora, será possível regularizar esses contratos de gaveta e coibir a comercialização irregular, diminuindo a especulação imobiliária.
Tanto que o novo comprador precisa preencher os critérios da Companhia, como ter renda familiar de até dez salários mínimos. A média do programa é de famílias que recebem até três salários mínimos.
No Caminho inverso
A regra da Cohab também mudou, mas dificulta a transferência do imóvel. Até setembro passado, após três anos era possível ter a transferência via ordem de serviço administrativa. Desde setembro de 2015, a Lei 3.183 aumentou o prazo para dez anos ou após o pagamento de 50% das prestações do financiamento.
Com isso, o órgão quer impossibilitar a alienação dos imóveis sem a anuência da companhia. Além disso, no caso de imóveis financiados com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, o interessado não poderá ser proprietário de outro imóvel dentro do mesmo município.
Tudo porque as unidades produzidas pela Cohab são para famílias cadastradas, vítimas de situação emergencial ou que estão morando nas aberturas de frente de obras do programa Santos Novos Tempos.
Só em Santos, o déficit habitacional é de 12.115 residências. A Cohab tem 2.064 unidades, entre as entregues e as por terminar. Está atualmente no Conjunto Caneleira 4 (680 unidades), sendo 400 apartamentos entregues, e 280 em obras.
Também em obras estão os conjuntos Tancredo Neves III (1.120 unidades), Santos R (326 unidades), Santos T (133 unidades) e Santos O (205 unidades).
Antes
Não é a primeira vez que a CDHU muda o tempo mínimo para a venda do imóvel. O período já foi de 24 meses a partir do início do contrato. E, mesmo assim, verificou-se que mais de 31% das transferências eram realizadas nos primeiros cinco anos do financiamento, chegando a 65% nos primeiros dez anos. Apenas 6% dos mutuários realizavam a transferência depois de transcorridos dois anos.
Fonte: Jornal A Tribuna