Entidades de defesa do consumidor se posicionaram contra as regras propostas em 2017
Durante os meses de julho e agosto de 2017, noticiou-se que o governo estava “prestes” a fechar uma proposta de regulamentação de distratos imobiliários, ou seja, desistência de compra ou venda de imóvel na planta. Para a infelicidade das empresas do setor de Construção Civil, que aguentaram a paulada de uma taxa de distratos de 41% no consolidado de 2016, o ano virou novamente e até agora essa regulamentação não vingou.
Segundo dados da Abrainc e da Fipe, incorporadoras brasileiras gastaram R$ 1,1 bilhão para renegociar 44.233 distratos em 2016, valor superior ao prejuízo líquido total de R$ 717 milhões contabilizados pelas construtoras de capital aberto no mesmo período. Incorporadoras passaram por meses de “venda negativa” durante a crise, quando o número de distratos superava o de vendas
Promessa para uma das indústrias mais atingidas pela crise econômica brasileira, a MP deveria padronizar a porcentagem retida pelas empreiteiras em casos de desistência por parte dos compradores. Fala-se na retenção de taxa de corretagem mais mais 50% do valor pago pelo consumidor até a data de desistência, respeitando até 10% do valor total do contrato – ou 30%, respeitando 5% do total, em caso de imóveis dentro dos parâmetros do Minha Casa, Minha Vida. Isso mesmo quando todas as parcelas estiverem em dia.
Em casos de inadimplência, prevê-se retenção de 50% do total pago pelo consumidor que não cumprir com as parcelas por mais de 6 meses e 30% em atrasos entre 3 e 6 prestações. A lei também pretende denir uma multa padrão caso haja atraso na entrega e o prazo para devolução dos valores já pagos pelos consumidores.
Embora não exista hoje uma legislação que regulamente esse tipo de quebra de contrato, a jurisprudência atual normalmente limita as perdas dos consumidores a porcentagens entre 10% e 25% do valor pago até o momento da desistência, de acordo com advogados especializados na área imobiliária. Esses valores valem também para casos de inadimplência, pois o STJ entende que é um direito do consumidor receber de volta o restante do dinheiro pago.
Paula Farias, sócia do escritório Paula Farias Advocacia e especialista em direto imobiliário, acredita que aplicação da MP seria “empurrão” importante para a retomada do crescimento da indústria de Construção Civil. “Sozinha, ela não é suciente, mas é um grande passo para ajudar esse setor, que viu um nível de distratos de 51% dos imóveis comprados entre agosto de 2016 e agosto de 2017”, opina.
Para Meyer Joseph Nigri, fundador e presidente do conselho da Tecnisa, deixar de publicar essa MP traria consequências serão desastrosas para o país. “Se não for aprovada, daqui alguns anos teremos uma crise pior que essa que passou”, dispara o executivo. “Com uma retenção de 10% [do valor pago], uma queda de 10% nos preços dos imóveis já torna interessante para o comprador distratar sem motivo [para comprar com desconto]”, explica. Dessa forma, as empreiteiras acabam obrigadas a vender as unidades com desconto de até 70% ou parar as obras, o que gera desemprego e aprofunda a crise.
Vai sair?
Agosto, momento em que a MP estava mais encaminhada, foi justamente o mês de rejeição da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara dos Deputados. A segunda denúncia foi barrada em outubro. Para a advogada, essa turbulência política, somada à pressa em aprovar outras pautas, como as reformas trabalhista e da previdência, foram cruciais para que a MP dos distratos acabasse postergada. Ainda assim, ela e os demais especialistas na área acreditam na aplicação das regras muito em breve.
“Já houve um alinhamento entre os ministérios da Fazenda, Planejamento e Justiça. Entretanto, vivemos em um momento político conturbado e isso faz com que a aprovação do tema seja um pouco mais demorada”, concorda Luiz Antonio França, presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), uma das entidades que participaram das discussões preliminares do texto. Ele acredita que a regulação tem potencial de “diminuir o risco jurídico existente na incorporação”, incentivando “maior volume de investimentos por parte dos incorporadores e contribuindo para a efetivação de um processo de retomada no setor”.
Nigri, da Tecnisa, tem segurança de que a legislação seja publicada ainda no primeiro semestre – mais especificamente, até fevereiro. “Hoje, conversando com as autoridades, percebo que está todo mundo muito consciente da necessidade de rever essas regras. Nenhum país no mundo tem uma legislação que permita os distratos como no Brasil”, afirma. “Na maioria dos casos, ele [quem desiste da compra na planta] perde tudo o que pagou e ainda tem que responder por perdas e danos”. Na opinião do executivo, o ideal para o Brasil também seria acabar com os distratos de uma vez por todas, “mas me parece difícil aprovar isso, mas acho difícil porque teria que mudar o código de defesa do consumidor”.
Defesa do consumidor
As regras apresentadas ao longo de 2017 não agradaram associações de defesa do consumidor. Em nota pública, a MPCON (Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor) repudiou as normas previamente divulgadas para distratos em território brasileiro por as considerar injustas do ponto de vista da parte mais vulnerável da transação: o consumidor. Além da associação, assinaram tal nota a CONDEGE (Comissão de Defesa do Consumidor), a Associação Brasileira de PROCONS e a BRASILCON (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor).
“Tais disposições não apenas transferem todo o risco do negócio ao consumidor como também viram do avesso todo o entendimento jurisprudencial já consolidado, estabelecendo vantagem manifestamente excessiva ao fornecedor”, escreveram as associações na nota conjunta. Elas observam que o cliente teria que arcar com custos mesmo quando não têm condições de manter uma negociação que iniciaram meses antes, ao passo que a incorporadora reteria parte mais robusta do valor pago e “ainda receberia [o imóvel] livre e desembaraçado para novamente oferta-lo à venda por preço integral”.
Para a advogada Farias, é pouco provável que construtoras ajam de má fé frente ao consumidor, já que precisam fechar contratos no futuro. “Se zerem algo muito desproporcional, [os clientes] podem car com medo de comprar”, justica. “O comprador não pode, de maneira nenhuma, sair mais prejudicado que a construtora”, ressalta.
Para França, da Abrainc, o consumidor que deve ser colocado em primeiro lugar é o “que não distrata, que muitas vezes podem ter frustrado o sonho da casa própria mesmo estando em dia com suas obrigações”.
Nigri concorda. Na Tecnisa, aproximadamente 5% dos distratos ocorrem por perda de emprego (/assuntos/emprego) e 0,4% devido a problemas de saúde. “Ou seja, menos de 5,5% das pessoas distratam por real necessidade”. Ele ainda lembra que clientes de baixa renda (/assuntos/baixa-renda), por entrarem com nanciamento com o banco logo no ato da compra, raramente entram nessa conta. Para a construtora, os demais distratos signicam “devolução do dinheiro com inação e juros de 12% ao ano, além de termos que revender com enorme desconto: o prejuízo é de bilhões de reais”, diz.
Não obstante, associações argumentam que o consumidor que distrata, caso perca muito do dinheiro já investido em um imóvel que não pode mais pagar, “perde duas vezes”, já que “perde metade do que pagou por um imóvel que a construtora vai vender novamente”. “Não obstante o crescimento da atividade econômica deva ser constantemente estimulado, esse estímulo não pode instrumentalizar-se na viabilização de conscos abusivos de valores pagos por consumidores que sofrem até mais fortemente dos efeitos dessa mesma situação econômica”, acrescenta o documento.