Para as empresas do setor de construção civil, a retomada das obras paradas é a forma mais rápida de recuperar empregos e dar fôlego para a economia
A geração de empregos na indústria da construção depende de segurança jurídica e da retomada das obras paradas no Brasil. Esse foi um dos temas abordados pelo presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, em conversa com a revista Isto É Dinheiro.
Durante a entrevista, Martins reforçou que, para as empresas do setor da construção civil, a retomada das obras paradas é a forma mais rápida de recuperar empregos e dar fôlego para a economia.
Confira abaixo a entrevista para a revista ou no site da IstoÉ Dinheiro:
As recentes projeções do PIB, que jogaram a previsão de crescimento para menos de 1% este ano, acentuam o desânimo do mercado da construção civil no País. Conhecido por ser um dos principais motores da economia, o setor sofre com a falta de confiança e de financiamento. Mesmo que a reforma da Previdência seja aprovada já no início do segundo semestre, qualquer melhora só é esperada para o fim do ano. E será muito pequena, insuficiente para recuperar os empregos perdidos na crise. Para tentar salvar alguma fatia do setor, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Rodrigues Martins, tem se empenhado pessoalmente a convencer políticos em Brasília de que é hora de retomar as obras públicas paralisadas. É uma tentativa de criar, rapidamente, 500 mil empregos.
DINHEIRO – Como o senhor vê a atual conjuntura?
JOSÉ CARLOS RODRIGUES MARTINS – Cerca de 50% dos investimentos do Brasil são na construção. É uma atividade que demanda recursos e requer confiança no futuro. Ninguém assume um financiamento no longo prazo sem saber se vai ter emprego no mês que vem. Ninguém assume uma dívida se tem uma dúvida. A decisão de comprar uma casa é racional. O grande problema que vivemos hoje é o mesmo de um diabético em uma loja de doce. A gente vê a necessidade de as pessoas comprarem imóveis, mas elas estão reticentes de assumir o risco. Uma das pessoas que participou de uma rodada de conversas no exterior com investidores ficou impressionada com o apetite que eles têm no Brasil, mas todos dizem que só vão colocar dinheiro aqui após a reforma da Previdência. Aí, entram outros pontos de interrogação. Que reforma será aprovada? Como será o dia seguinte à aprovação? Estamos preparados para fazer as coisas funcionarem?
DINHEIRO – Quais os principais gargalos do setor?
MARTINS – Se uma indústria produz mil carros por dia e reduz em 20% sua capacidade de produção, pode demitir apenas 20% da sua mão de obra. Mas não acontece assim com a construção. Se não temos um projeto futuro, coloca-se todo mundo na rua. Nossos maiores gargalos passam pela recuperação da confiança — que tem relação direta com a recuperação da economia, do ajuste fiscal, da reforma da Previdência — e com a segurança jurídica.
MARTINS – Se houver recuperação, será só no fim do ano e não vai ser muito significativa. Quando uma construtora lança um empreendimento, precisa saber como o Brasil vai estar em três anos. A recuperação é rápida depois que se conhece o cenário, mas ainda estamos olhando para o horizonte na tentativa de ver o que vai acontecer. Existem grandes oportunidades, como a retomada das obras paralisadas.
DINHEIRO – Por que retomar as obras paralisadas é tão importante?
MARTINS – Estamos falando de 4.700 obras. Fizemos um estudo e descobrimos que já foram empenhados R$ 70 bilhões no conjunto delas. Os governos precisam de R$ 40 bilhões para terminar o serviço. São obras que estão se deteriorando e que, se fossem retomadas, aqueceriam a economia. São 1.700 unidades básicas de saúde que estão precisando, em média, de R$ 108 mil cada uma para serem concluídas. E elas estão paradas porque os prefeitos não têm dinheiro para pagar os médicos. Eles sabem que não vão conseguir pagar e deixaram as obras incompletas. Existem 2.000 terminadas e fechadas. Isso é um crime. Nossa proposta para resolver o problema é abrir uma chamada pública para quem quiser terminar os imóveis e dar a eles o direito de uso por cinco anos, da forma que quiser. São esqueletos abandonados que estão virando focos de dengue e de violência. É dinheiro jogado fora. Em Cuiabá, os trens do VLT estão apodrecendo. Isso é um crime.
DINHEIRO – Qual foi o real impacto da Lava Jato para a indústria da construção?
MARTINS – A Lava Jato tem que ser vista por duas óticas: a da crise política e a crise de investimentos na Petrobras. A Lava Jato não pode ser vista como um problema para as empresas. Está faltando dinheiro para investimento porque não existe uma demanda. Em 2014, o PAC [Programa de cãoleração do Crescimento] pagou R$ 64 bilhões para as construtoras. Este ano não vai pagar nem R$ 10 bilhões. A equipe econômica do Temer se preocupava com fluxo de caixa e não com a economia. Toda vez que um país sai de uma recessão, sai via investimentos e não via consumo. No Brasil não houve uma preocupação com teto de gasto, com nada. Eles não tinham dinheiro público, mas não estavam nem aí. Ninguém se preocupou com segurança jurídica, com a questão ambiental ou trabalhista. O governo Bolsonaro está encarando de frente essas questões.
DINHEIRO – Como o senhor avalia a relação com o governo atual?
MARTINS – Não podemos reclamar. Ao longo dos últimos anos, a CBIC conseguiu dialogar de modo transparente e ético. Passamos pelo FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, o Bolsonaro. Essa equipe econômica atual é ótima, são pessoas extremamente bem intencionadas, jovens, querendo se realizar como pessoas.
DINHEIRO – Quais as principais reivindicações vocês levaram ao governo?
MARTINS – Temos um documento que se chama “Um milhão de empregos já”, com uma série de propostas que poderiam gerar postos de trabalho imediatamente. O documento é dividido em três partes. Uma que apresenta ideias, outra sobre desburocratização e a terceira com uma agenda parlamentar. Apenas com a retomada das obras paralisadas seriam gerados 500 mil empregos imediatamente — apenas empregos diretos, os indiretos nem estão nesta conta. Insistimos também no apoio às construções municipais. As pessoas ainda precisam de transporte público, de praças, de hospitais. Propusemos que, se não há dinheiro público, que a iniciativa privada possa atuar. A Caixa poderia dar consultoria aos municípios para que fossem feito bons editais, ajudar a estruturar o projeto e a colocá-los na praça. Algumas prefeituras não têm capacidade técnica para estruturar um bom projeto. O terceiro ponto importante é o programa de crédito.
DINHEIRO – Como está o crédito para o setor?
MARTINS – Com a crise, a relação entre as empresas e os bancos se deteriorou. Há um trauma entre as partes e, se não encararmos de frente esse problema, as empresas vão ficar mais debilitadas e os agentes financeiros mais exigentes. Antes da crise, uma empresa conseguia financiamento fácil para construir 200 casas. Hoje, essa mesma empresa só consegue recursos para construir 50. Todas as partes estão com medo e o medo paralisa. O medo gera uma espera, que gera uma queda de atividade.
DINHEIRO – Quais os maiores entraves no Minha Casa Minha Vida?
MARTINS – Hoje, dois terços do mercado imobiliário compreendem o Minha Casa Minha Vida e há uma insegurança total. Se a arrecadação do governo cai, falta dinheiro para pagar o contrato. Como pagamos impostos e os funcionários? É uma angústia. Esperamos que a reforma da Previdência ajude a destravar a economia. A gente acredita que a Câmara vai aprová-la no segundo semestre. Mas qual reforma? Só vai acontecer mesmo no fim do ano, mas as pessoas têm conta para pagar. Como se faz com o boleto chegando no fim do mês?
DINHEIRO – Vocês também pedem segurança jurídica. Como avançar nesse tema?
MARTINS – Segurança jurídica é risco. E risco custa. Uma das coisas que a gente mais trabalha hoje é para diminuir o risco. Existem muitos agentes financeiros que sequer dão crédito para o construtor.
DINHEIRO – O BNDES está deixando a desejar?
MARTINS – O BNDES sempre foi muito arredio às construtoras e começamos a fazer um trabalho para tentar uma maior proximidade com o BNDES, para que ele se torne, de fato, um banco de fomento. Trilhamos um caminho com o [ex-presidente] Joaquim Levy. Agora temos um novo presidente e acreditamos que ele vai dar continuidade ao processo com muita ética. Queremos um mercado justo e competitivo e precisamos de um BNDES também mais justo.
DINHEIRO – Quais cicatrizes a crise vai deixar?
MARTINS – A crise foi muito forte e vai deixar cicatrizes profundas. Muita coisa ficou pelo meio do caminho. Há atraso de pagamento em muitos projetos. Mas as cicatrizes fazem parte da vida e a gente vai aprender com elas. Só esperamos que a crise deixe um aprendizado e não cause um extermínio de empresas.