Ciclo de audiências públicas é fruto de parceria do CAU/BR com a Comissão de Desenvolvimento Urbano
“Antes de propor um Sistema Nacional de Planejamento Urbano, é preciso saber se o país tem condições de implementá-lo ou se é preciso mudar o esquadro. Na minha visão, nós estamos extremamente aquém de ter. Hoje cada esfera trabalha de forma isolada”, afirma o arquiteto e urbanista Jorge Guilherme Francisconi. O assunto foi discutido na última edição do ano do Fórum Interativo de Desenvolvimento Urbano, realizada nesta quarta-feira (06/12) na Câmara dos Deputados, em Brasília. O evento é uma realização da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Casa em parceria com o CAU/BR.
“O fundamental para se ter um sistema nacional, de cima a baixo, até chegar ao cidadão, é a intergovernabilidade. Ela exige que todos os poderes cedam alguma coisa para se integrarem. Hoje chegamos a uma intergovernabilidade rigorosamente impossível. Temos mais de 5 mil municípios que são esferas de governo autônomas. Para criar uma subgovernança, que é o conceito metropolitano, você teria que ter todo mundo trabalhando junto”, analisa Fransiconi, que é doutor em Ciências Sociais, com concentração em Economia Urbana, Planejamento Regional e Áreas Metropolitanas, ex-secretário-executivo da Comissão Nacional de Regiões Metropolitanas e Política Urbana, ex-presidente da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos e ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
A proposta de criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano foi aprovada pela 5ª Conferência Nacional das Cidades, em novembro de 2013. A ideia é estabelecer diretrizes e princípios nacionais compartilhados por todos os níveis de governo para o gerenciamento das políticas urbanas. O sistema funcionaria de forma integrada e operaria com recursos públicos e responsabilidades partilhadas entre a União, estados e municípios.
Planejamento a longo prazo
De acordo com o presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nivaldo Vieira, o maior obstáculo para a implementação do sistema é outro: a prática de se planejar apenas a curto prazo no país. “Falta uma cultura de planejamento a longo prazo no Brasil: às vezes dentro de uma mesma gestão políticas públicas são descontinuadas. A falta de instâncias metropolitanas, supra municipais, dificulta a criação de um sistema nacional, mas a ausência da compreensão do que significa e de como funciona o planejamento urbano é o ponto principal, para além de questões legais e administrativas. É necessária uma mudança de paradigma”, defende.
O deputado Angelim (PT-AC), ex-prefeito de Rio Branco, que presidiu a audiência pública, demonstrou preocupação com a ineficácia de políticas públicas conduzidas por municípios de forma isolada, sem considerar as regiões metropolitanas. “A cidade é onde moram as pessoas. Se as cidades estão em segundo plano nas políticas urbanas, isso potencializa a segregação no meio urbano”, avalia. Para o parlamentar, o problema é que o planejamento no país é feito com viés eleitoral. “Vivemos, infelizmente, uma cultura de planejamento oportunista, eleitoreiro, pensado para 4 anos”, afirma.
Jorge Guilherme Francisconi é enfático ao dizer que há décadas não se planeja cidades a longo prazo no país. “O planejamento urbano no Brasil morreu há mais de 20 anos. O único programa novo dos últimos tempos foi o Minha Casa Minha Vida – e que foi gestado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção, e não pelo governo”.
De acordo com ele, um empecilho legal para o planejamento das cidades é o pacto federativo atual. Para o pesquisador, a autonomia conferida pela Constituição de 1988 aos municípios acabou por ser um empecilho na integração metropolitana. “Um grande ‘crime’ foi a municipalização do planejamento urbano. Um prefeito não tem força para enfrentar uma empresa de ônibus. Ela tem um poder econômico e um poder político típico de grandes setores, o que inclui também saneamento e lixo”.
Instâncias de debate
Para Nivaldo Vieira, a desvalorização do planejamento urbano existe e prejudica também instâncias de participação técnica e política na construção de políticas nacionais para o setor. “Tivemos o cancelamento da 6ª Conferência das Cidades e a suspensão do Conselho Nacional das Cidades”, adverte.
Segundo Jorge Guilherme Francisconi, as instâncias de debate sobre política urbana estão cada vez mais segregadas. “Não temos mais nenhum fórum debate que não seja pré-orientado. Antigamente os centros de pós-graduação não eram ideologizados, os pesquisadores iam para a rua ver o que era a realidade. Hoje temos universidades que são como cidades medievais. O tempo integral cria uma barreira para o mundo real. Preocupa-se apenas com competição interna, com quem publica mais”.
Estatuto da Metrópole
Ambos os debatedores fizeram críticas ao Estatuto da Metrópole (Lei nº. 13.089/2015), que ainda não foi aplicado na maioria das regiões do país. “Não adianta termos leis se são de difícil aplicação. É o caso do Estatuto da Metrópole, que como dissemos esbarra na inexistência de uma estrutura administrativa que não abarca a instância metropolitana”, acredita Nivaldo Vieira.
Fracisconi defendeu que a reforma do Estatuto e de seus mecanismos efetivos é urgente. “Nessas últimas semanas trabalhei com o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Ministério das Cidades para rever o Estatuto da Metrópole. Porque como está não é possível. O Estatuto tem contradições muito grandes. Seria preciso uma reforma administrativa extensa para aplicá-lo”, avalia. O pesquisador acredita que instrumentos previstos pelo Estatuto estão fadados ao fracasso. “Eu não acredito em consórcio de municípios, por exemplo. Não tenho a menor fé. É uma feira de vaidades que não produz grande coisa”, enfatiza.
Para o arquiteto e urbanista, é preciso rever também o modo como é conduzida a participação popular nos planos diretores, regulados pelo Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257/2001). “A cidade hoje se afasta do técnico e está entregue a um processo participativo onde cada bairro luta pelo melhor para si. O que era para ser um elemento de transformação social, se transformou em um instrumento de segregação”, aponta.
Revisão das leis urbanísticas
Com base nas críticas dos debatedores, o deputado Angelim (PT-AC), se comprometeu a trabalhar em prol da revisão técnica da legislação urbanística federal. “Vou propor ao presidente Givaldo Vieira que esta Comissão crie um grupo de trabalho para reavaliar todas as leis e projetos desta Casa sobre planejamento urbano. Acho que não é a falta de leis que está suplantando ou impedindo o desenvolvimento urbano, mas a superposição ou a incoerência entre elas pode estar atrapalhando”.
Fórum Interativo
Parceria entre a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados e o CAU/BR, o Fórum Interativo foi criado em 2017 como espaço permanente de debates sobre os grandes temas nacionais relacionados ao Urbanismo. As audiências públicas são realizadas sempre com transmissão pelo E-Democracia, com perguntas enviadas em tempo real pela internet. Além da audiência sobre o Sistema Nacional de Planejamento Urbano, foram realizadas edições do Fórum Interativo sobre reforma da lei de licitações, regularização fundiária, crise hídrica, mobilidade urbana e Nova Agenda Urbana (clique no tema para assistir ao debate).
O apoio técnico da iniciativa é dado pelo LabHacker da Câmara, grupo que promove o desenvolvimento colaborativo de projetos inovadores em cidadania relacionados com o parlamento. A partir de 2018, poderão ser recebidas perguntas ao vivo também em vídeo, com opção de envio via celular ou computador.
“Para os colegas que pensam o desenvolvimento urbano, esse é um espaço privilegiado de interlocução com a sociedade, na medida em que está sendo transmitido e podemos dialogar com pessoas do Brasil, mas especialmente com os deputados, que são os responsáveis pelas leis, e como tudo passa pelo ambiente legal, é imprescindível essa interlocução”, afirmou o presidente nacional do IAB, Nivaldo Vieira.
“Um dos objetivos da minha gestão à frente da Comissão é estimular o compartilhamento de conteúdo e o fomento às discussões propositivas. O Fórum vem nesta perspectiva, uma vez por mês, com parceiros respeitados na área, e realizado antes das reuniões ordinárias. Planejo que se torne um legado para o nosso colegiado”, declarou Givaldo Vieira (PT-ES), presidente da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados.
Assista à íntegra da audiência: https://www.youtube.com/watch?v=5ziUJah4PYI
Com informações da Assessoria de Comunicação do CAU/BR