No Rio, empreendimentos beneficiariam quase 15 mil pessoas na Mangueira e em Cosmos
Com a decisão do governo federal de cancelar contratos para a construção de cerca de 17,4 mil moradias do Minha Casa Minha Vida em todo o país, um projeto que era a menina dos olhos do prefeito Marcelo Crivella sofreu um revés a um ano do pleito em que ele tentará a reeleição. No Rio, foram afetadas as obras de seis conjuntos habitacionais, que estavam previstas para começar em agosto. Os empreendimentos beneficiariam quase 15 mil pessoas na Mangueira e em Cosmos.
O problema, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, é que os conjuntos cariocas fazem parte de uma lista de construções autorizadas pela União entre 24 e 31 de dezembro de 2018 sem orçamento disponível. A Controladoria Geral da União (CGU) as considerou, portanto, irregulares.
No Rio, três conjuntos anunciados pela prefeitura ficariam na Mangueira, na área dos antigos prédios implodidos do IBGE, do Ministério da Fazenda e da fábrica Lanifício. O restante seria construído em Cosmos, num local não divulgado pelo município. Carlos Henrique Passos, da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, ressalta que seriam empreendimentos destinados à população mais pobre, da chamada Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida, para pessoas com renda de até R$ 1.800. Além de prolongar a espera de quem sonha com moradia, ele aponta outras consequências da interrupção do projeto:
— Menos obras, menos empregos, menos negócios.
Procurada, a prefeitura não se manifestou. Já o governo federal afirma buscar soluções para as obras de 8,9 mil unidades já iniciadas em outras cidades do país e não descarta uma saída para as intervenções no Rio.
Compasso de espera
Os projetos cariocas, se saírem do papel, vão solucionar 1,4% do déficit habitacional do município, estimado em 220.774 residências pela Fundação João Pinheiro. Hoje, o abandono das áreas destinadas aos novos prédios é uma ameaça. Na Mangueira, os tapumes que cercavam o terreno do antigo edifício do IBGE foram retirados e, até o começo deste mês, o local abrigava um parque de diversões.
Mangueira e Cosmos, no entanto, não são os únicos locais que tiveram empreendimentos anunciados pela prefeitura. Em julho, o município pleiteava mais R$ 100 milhões para três empreendimentos: Jambalaia, em Campo Grande, Parque Everest, em Inhaúma, e Rheem, em Benfica. Somados, os três criariam mil residências populares na cidade.
O terreno do Jambalaia, antes ocupado por centenas de pessoas, teve uma construção implodida em setembro do ano passado. Atualmente, também sofre com a desordem: entulho e vergalhões dividem espaço com a vegetação que cresce ao lado de um lixão. Cerca de 300 famílias aguardam o início das obras.
— O Minha Casa Minha Vida era um sonho que se tornou pesadelo. Estamos em novembro e, por enquanto, só temos uma promessa. Na última vez em que estive com o prefeito, em julho, ele disse que a obra sairia, que só faltava a Caixa Econômica liberar a verba — conta Paulo Souza dos Santos, o Paulinho Soró, liderança entre os antigos moradores do Jambalaia.
Enquanto segue o compasso de espera, Roberto Kauffmann, que integra a Firjan e o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Rio (Sinduscon-Rio), destaca que o governo federal estuda mudanças na política de habitação social.
— O importante é que os novos empreendimentos fiquem em terrenos próximos do transporte coletivo de massa, como trem e metrô. E que permitam um uso misto, onde possa ter, além da moradia, shopping popular, supermercado, médicos e dentistas — opina Kauffmann.
Presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado do Rio (Sarj), Rodrigo Bertamé faz coro, defendendo que a política de habitação popular priorize a ocupação em áreas próximas a corredores de mobilidade urbana e que já tenham infraestrutura.
— Hoje, a maioria dos empreendimentos acontece no espraiamento da cidade. Você leva conjuntos para áreas como a Zona Oeste, mas não leva transporte público de massa — destaca Bertamé.
Mudança em curso
O Ministério do Desenvolvimento Regional afirma que técnicos se dedicam à reformulação do programa de habitação popular “para que os recursos públicos sejam melhor aplicados e possam assegurar moradia digna às famílias que mais precisam”.
No Rio, até mês passado, o prefeito Crivella celebrava a marca de mais de 9 mil unidades habitacionais entregues a 35 mil pessoas desde que tomou posse, em 2017.
Há duas formas de o cidadão participar do programa habitacional, segundo a prefeitura: por reassentamento ou por sorteio, quando o candidato se inscreve para ser contemplado com o imóvel. O valor da prestação varia de R$ 80 a R$ 270 mensais, e os interessados devem ter mais de 18 anos. Para a adesão, é preciso apresentar a documentação original do titular do cadastro e do cônjuge, se houver. Entre os documentos necessários, estão a carteira de identidade e comprovantes de renda. Só podem participar do programa pessoas que não tenham casa própria ou financiamento habitacional e que nunca foram beneficiadas por programas de habitação social do governo.
Promessa feita a sobreviventes da Muzema pode não se concretizar
A promessa feita pelo prefeito Marcelo Crivella a sobreviventes do desabamento de dois prédios do condomínio Figueiras do Itanhangá, na Muzema, também pode ser afetada pela decisão do governo federal de suspender parte das obras do programa Minha Casa Minha Vida. Em 19 de junho deste ano, dois meses depois da tragédia, ele anunciou que pretendia construir, com o apoio da União, um conjunto habitacional em um terreno da Pedra da Panela, na Barra da Tijuca, que contemplaria todas as faixas do programa. O futuro do projeto, agora, também está ameaçado.
O anúncio foi feito durante um evento no Palácio da Cidade, em Botafogo, sede social da administração municipal. Na ocasião, a promessa era de 20 mil unidades habitacionais. Porém, não foi informada a previsão de lançamento do novo condomínio, já que ainda era aguardada a liberação da Caixa Econômica.
Com o desabamento, em abril deste ano, dos dois edifícios construídos irregularmente por uma milícia, 24 pessoas morreram. O município pretende demolir outros seis prédios vizinhos aos que caíram, que, segundo especialistas, apresentam riscos.
Em outubro, a prefeitura confirmou que os edifícios serão demolidos. No entanto, por conta de uma decisão judicial intermediada pela Defensoria Pública do estado, o processo de demolições está suspenso até que o município comprove, por meio de um estudo do solo, a vulnerabilidade das construções.
No mês passado, a prefeitura reiterou que existe um projeto em negociação com o governo federal para a construção de unidades do programa Minha Casa Minha Vida no Rio. Na época, afirmou que o conjunto ficaria em uma área próxima à Muzema e poderia ser destinado às famílias que vão perder seus apartamentos. Mais um vez, no entanto, o município não divulgou detalhes da construção, como a data de lançamento do empreendimento.