O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou a maior reforma nas regras do financiamento imobiliário desde a aprovação do instrumento da alienação fiduciária, há duas décadas. O governo concedeu aos bancos maior liberdade para indexação dos contratos e acabou com a destinação do funding da poupança para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Em paralelo, também voltou a permitir a utilização dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para o comprador de imóveis com valor de até R$ 1,5 milhão nas grandes capitais. Esse teto vigorou em quase todo o ano passado e havia sido reduzido para R$ 950 mil. Continua válido o limite de R$ 800 mil no restante do país.
As principais mudanças foram antecipadas na tarde de ontem pelo Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor. As medidas entram em vigor em 1º de janeiro de 2019.
O novo regulamento mantém a exigência de que os bancos direcionem ao financiamento imobiliário 65% dos recursos captados via depósito de poupança. No entanto, as instituições financeiras não terão mais de destinar 80% desse montante a operações feitas no âmbito do SFH. Em vez disso, terão de utilizar esses 80% para financiar imóveis residenciais.
O conjunto de medidas irá injetar cerca de R$ 80 bilhões ao sistema de direcionamento da poupança e simplificar a aplicação dos recursos, afirmou o Banco Central (BC) por meio de nota. Esse efeito será gradual e se dará ao longo dos próximos seis anos. De acordo com fonte do setor, até o fim desse período os bancos não poderão mais utilizar carteiras em prejuízo para compor o direcionamento dos recursos da poupança. A aquisição de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letras Hipotecárias (LH) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI) também não contará mais para o cumprimento de exigibilidade. Na prática, tudo isso representará mais recursos para o crédito habitacional.
Com o objetivo de incentivar a concessão de crédito a famílias de renda mais baixa, o financiamento a imóveis de até R$ 500 mil terá peso 1,2 para os bancos na contabilização do uso dos recursos da poupança.
Outra alteração relevante diz respeito à indexação dos contratos, que não precisará ficar restrita à Taxa Referencial (TR) em operações feitas no SFH que não sejam financiadas pelo comprador com dinheiro de sua conta no FGTS. Poderão ser utilizados índices de preço como IGP-M e IPCA.
Num primeiro momento, os efeitos dessa medida serão sentidos principalmente nos contratos com pessoa jurídica e em operações de estruturação de CRI, afirma um executivo de banco. “Em financiamentos à pessoa física, ainda não está claro se fará sentido adotar, na prática, outro indexador mais sujeito a volatilidade”, diz.
O CMN aprovou ainda o fim da taxa máxima de 12% ao ano que pode ser cobrada pelos bancos no financiamento de imóveis. Segundo o diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, não se espera um aumento da taxa de juros dos contratos. “As instituições financeiras praticam taxas menores na casa dos 8%. Não sugere como hipótese alguma que a taxa suba”, afirmou.
Damaso acrescentou que a mudança vai facilitar a securitização de contratos e poderá “oxigenar” e elevar o volume de recursos para o setor. “Esse conjunto de aperfeiçoamentos, ao flexibilizar e simplificar as regras de direcionamento, pretende estimular a entrada de novos operadores e a melhor segmentação de mercado. Espera-se ainda uma maior compatibilidade entre a oferta e a demanda de financiamentos”, destacou o BC em nota.
Para um gestor de fundos imobiliários, as mudanças são as maiores adotadas no setor em muito tempo.
As novas regras abrem caminho para acabar com os direcionamentos existentes no mercado de crédito imobiliário no Brasil ao longo dos próximos anos, diz um executivo de um banco que atua no setor. “É o primeiro passo para se chegar a um mercado livre, como o que se vê em outros países”, afirma essa fonte. Segundo ela, a expectativa é que outras fontes de financiamento, como as Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) se tornem mais atrativas nesse novo cenário.
As medidas vêm num momento em que se vislumbra uma “sobra” de R$ 100 bilhões no funding imobiliário com recursos da poupança, diante de uma demanda ainda fraca. Também chegam em meio a um contexto no qual os bancos têm dado maior ênfase no crédito imobiliário à pessoa física.
O Itaú Unibanco informou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda estuda as medidas, mas “apoia todas as ações que contribuam para fomentar o mercado de crédito imobiliário”.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, comemorou as mudanças nas regras de direcionamento. Segundo ele, as alterações eram uma demanda antiga do setor e simplificam o cumprimento das exigências. Para ele, o governo estimula a competitividade, o que pode contribuir até para a redução dos juros nos contratos.
Uma das demandas da CBIC era a proibição do uso de CRI para cumprimento da exigibilidade na aplicação de recursos da poupança pelos bancos.
Incorporadoras também elogiaram as medidas. O aumento, para até R$ 1,5 milhão, no valor dos imóveis financiáveis com recursos do FGTS “será um grande impulsionador para o crédito imobiliário”, destacou o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi-Rio), Cláudio Hermolin.
Segundo ele, não só um número maior de potenciais consumidores poderá utilizar recursos do FGTS para dar entrada na aquisição do imóvel, como deve haver mais concorrência entre os bancos para financiar unidades entre R$ 950 mil – teto anterior para São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – a R$ 1,5 milhão. Isso poderá resultar em redução da taxa de juros na disputa por clientes de imóveis dessa faixa.
“Muita gente não comprava imóveis com valor pouco acima de R$ 1 milhão porque não podia usar o FGTS como entrada”, afirmou o presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França.
Não há expectativa, segundo Hermolin, que o aumento do valor máximo dos imóveis que poderão utilizar o FGTS se reflita em alta de preços porque a atual relação entre oferta e demanda não permite elevações.
O anúncio pelo CMN de que os bancos que concederem financiamento a imóveis com valor até R$ 500 mil poderão aplicar fator de multiplicação de 1,2 para cálculo de exigibilidade foi outra mudança celebrada pelo setor No 1,2 para cálculo de exigibilidade foi outra mudança celebrada pelo setor. No entendimento do presidente da Abrainc, isso vai estimular que mais instituições financeiras tenham interesse em oferecer crédito para unidades com esse perfil, o qual concentra boa parte da demanda dos consumidores.
A maior parte do estoque de imóveis da EZTec, por exemplo, está na faixa de R$ 500 mil. “O maior benefício para os bancos que financiam imóveis até esse valor poderá se refletir em melhores condições de crédito”, afirmou o diretor financeiro e de relações com investidores da companhia, Emilio Fugazza. A EZTec também tem imóveis de média e alta renda que passam a se enquadrar no teto maior para uso do FGTS como entrada.
“As mudanças são positivas para o setor de construção num contexto de “início de retomada”, disse o o economista-chefe do Secovi-SP, Celso Petrucci. Em especial, ele destacou o incentivo para o financiamento de imóveis com valor de até R$ 500 mil. A mudança contribui, na avaliação do economista, para que haja menos pressão sobre os recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pois a tendência é que os bancos se interessem mais em destinar funding da poupança para financiar unidades da faixa de R$ 240 mil até esse valor.