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Um terço das cidades maiores ainda ignora PPPs e concessões

Um terço dos municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes está sem iniciar nenhum projeto de concessão ou parceria público-privada (PPP) desde janeiro de 2015. Mesmo diante do interesse manifestado pelos prefeitos na última campanha eleitoral e da necessidade de encontrar alternativas de investimento, 49 das 149 cidades de grande ou médio porte não deram nem sequer o primeiro passo para alguma parceria com a iniciativa privada, segundo um levantamento inédito da consultoria Radar PPP.

Esses municípios tiveram uma receita corrente líquida de R$ 35 bilhões em 2017. Pela lei federal que regula o assunto, as prefeituras podem gastar até 5% de suas receitas anuais com contrapartidas públicas em PPPs. Isso significa que há um espaço fiscal para alocar imediatamente R$ 1,75 bilhão por ano em dezenas de projetos com participação privada.

“Há uma grande oportunidade sendo perdida. Muitas necessidades dos municípios podem ser satisfeitas, principalmente em um cenário de tantas restrições orçamentárias, por meio de parcerias público-privadas”, afirma o advogado Bruno Pereira, sócio-fundador da Radar PPP. “A constatação positiva é que estamos com uma folha em branco para preencher.”

Pereira aponta três áreas com maior potencial de novos contratos: iluminação pública, resíduos sólidos (como a construção de aterros sanitários), água e esgoto (nas localidades não atendidas pelas companhias estaduais de saneamento). Outros campos férteis para PPPs estão em mobilidade urbana, educação e saúde.

Até mesmo a revitalização de parques e jardins botânicos pode ser objeto de parcerias, acredita o especialista, mencionando casos em que a chegada de um gestor privado aumenta a qualidade dos serviços oferecidos aos cidadãos e reduz o gasto administrativo com essas instalações. O resultado costuma ser a liberação de espaço no orçamento municipal para outras atividades, segundo Pereira.

A paralisia atual afeta capitais como Recife (PE), Natal (RN) e João Pessoa (PB), segundo o levantamento. Cidades de renda per capita elevada no Centro-Sul – como Anápolis (GO), Franca (SP), São José dos Pinhais (PR), Joinville (SC) e Santa Maria (RS) – também não avançaram. Na lista estão ainda Vitória da Conquista (BA), Petrópolis (RJ), Santarém (PA) e Araraquara (SP).

Há certo consenso entre especialistas de que a intensificação de projetos municipais de PPPs ou concessões simples (sem aporte público) tem esbarrado na falta de conhecimento e capacidade técnica. “Em nossas andanças pelo Brasil, muitas vezes é difícil encontrar três ou quatro pessoas nas prefeituras que possam ser deslocadas temporariamente para supervisionar a condução dos estudos”, diz Pereira.

A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) concorda com esse diagnóstico e se dedica ao desenho de uma espécie de “kit padrão” para ser oferecido às prefeituras de cidades com mais de 80 mil habitantes. O objetivo é compartilhar conhecimento na estruturação básica de concessões e PPPs pelos agentes municipais, evitando que erros de origem se tornem barreiras mais adiante, como contestações dos órgãos de controle e dificuldades na obtenção de financiamento por ausência de boas garantias.

O kit envolve, por exemplo, uma minuta padronizada de projeto de lei municipal para instituir as parcerias e um modelo para os editais de concorrência.

“Há um enorme potencial, todo mundo sai ganhando e é uma grande alavanca para o crescimento descentralizado”, avalia o presidente da CBIC, José Carlos Martins. “Mas vejo os mesmos problemas do Minha Casa, Minha Vida. Os processos são complexos e precisam de uma simplificação para funcionar direito.”

Em dezembro, o presidente Michel Temer sancionou a criação de um fundo de R$ 180 milhões para financiar estudos de concessões ou PPPs estaduais e municipais. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste devem receber preferencialmente 40% dos recursos. Cabe à Caixa Econômica Federal gerir o fundo.

“Queremos aproveitar tanto a nossa capilaridade quanto a nossa capacidade técnica para sermos indutores das concessões e PPPs municipais”, diz o diretor de saneamento e infraestrutura da Caixa, Antônio Gil Bernandes Silveira. Além de gerentes espalhados por todo o país, a instituição tem em seus quadros engenheiros que eram responsáveis pela fiscalização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e estão aptos para prestar auxílio técnico às prefeituras.

Gil explica que hoje o caminho adotado mais frequentemente pelos municípios é a abertura de um procedimento de manifestação de interesse (PMI). Empresas interessadas entregam um plano de execução. O problema é a baixa capacidade das prefeituras para avaliar o projeto apresentado pela iniciativa privada. Isso aumenta a possibilidade de “captura” das obras pela empresa responsável.

De acordo com o executivo, a Caixa assessora o município para que não haja necessidade de fazer esse chamamento público. Ela entrega aos gestores municipais um estudo de viabilidade técnica-econômica ou até mesmo um pré-projeto para subsidiar a licitação final. Parte dos trabalhos será feita pelos próprios quadros da instituição; parte será mediante contratação de consultorias externas. Um dos aspectos destacados por Antônio Gil é a necessidade de apontar receitas para a sustentabilidade do negócio. “O que mais mata uma PPP é a sua financiabilidade.”

O diretor afirma que já existem conversas em andamento com o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o banco de desenvolvimento alemão KfW para replicar o fundo já existente e aumentar as alternativas de financiamento para a elaboração de projetos.

Fonte: Valor Econômico